terça-feira, 28 de outubro de 2014

IgNobel de Geografia vai para lorde fidalgo tucano parahybano (do Norte)






Sir Isaac Newton, cujas madeixas estão arrepiadas ante tal notícia, será apeado do trono da moderna física, depois que cientista paraibano inverteu a Lei da Gravitação Universal. Geógrafos já estudam processo contra Heródoto e se preparam para a árdua tarefa de explicar como um rio sobe a serra. 







Toda campanha eleitoral tem lá suas excentricidades, suas loucuras, seus absurdos. Mas, alguns membros da nossa espécie sapiens capricham no pedaço e ingressam numa etérea zona, na qual a Inteligência é rarefeita e gera desconfiança que pode existir vácuo pleno bem no meio da cachola.

Numa fila de Supermercado de John Person, comprando uma seleta de queijos e vinhos importados, um leitor fiel e informado do panfleto seboso que se opõe à Lei Áurea, muito cruel e mais desalmado que um diretor da Sabesp, vociferava horrores contra Dilma, contra os pobres e os desinformados (apud FCH, made in USA), que roubaram parte do seus polpudos honorários para pagar bolsas-prostituição, bolsas-preguiça, bolsas-incompetência e o diabo a quatro. Espumava de ódio ante o aumento que verificara do preço do Pinot noir, e a necessidade que teria de ir pessoalmente à França, para poder comprar o precioso líquido sem pagar impostos para sustentar hospitais que tratam pobres pestilentos, pulguentos e fedorentos... Lastimava, humanitariamente, que os pobres não fossem esterilizados em massa e apoiava entusiasmado um humanista de Piratininga, que dissera que, como médico grã-fino e de grã-finos, não gostava de gente, mas bem que apreciava de um doentinho pra garantir sua gorda prebenda mensal.

Um desinformado dos arredores, cansado com a cantilena “vejenta” do lorde fidalgo tabajara, obtemperou que a excelente administração da TFPSDB paulista deixara o Estado em situação de caos hídrico, por uma mistura de cupidez e incompetência.

Ante tal impertinência, o douto lorde fidalgo lançou um peremptório repto e saiu-se com tal animadversão, que será lançada em letras áureas nos anais da sabedoria de nossa civilização:

- A culpa é do Estado do Rio de Janeiro, que destruiu seus mananciais e impediu a água de fluir para a Paulicéia sedenta!!!

Numa só sentença, nosso cientista revogou a Lei da Gravitação Universal, levando Isaac Newton a se revirar em seu túmulo, além de ter revolucionado toda a Geografia desde os tempos do velho Heródoto...

Pela lógica do nosso portentoso luminar, o rio Paraíba do Sul nasce no Oceano Atlântico (ao norte do Estado Fluminense), vai subindo as serranias do Estado do Pezão, continua subindo Vale do Paraíba acima, e vai desaguar em seu nascedouro lá nas boas terras paulistas onde a garoa fez fama, mas agora é apenas uma saudade... É o único rio em aclive de todo o cosmo!!!

Conta-se, nos meios teológicos, que nosso emérito cientista, está sendo convocado pelo Criador para dar uns palpites num Upgrade do mundo, que está previsto para o dia em que a Sabesp virar uma empresa idônea.    

Circula, ainda, nos meios musicais, que o distinto está revisando vários sucessos e ensaia lançar DVD duplo, com participação especial de Lobão. A dupla está remixando e sampleando “Riacho do Navio”, do grande Luiz Gonzaga, que na nova versão terá a seguinte letra (mais um furo da revista sebosa): “no mei do mar nasce o Rio São Francisco, o Rio São Francisco vai despejar no Pajeú, o Rio Pajeú vai despejar no Riacho do Navio, o Pajeú vai despejar no Riacho do Navio” Êita, pai d’égua!!!

Confirma-se a previsão do Conselheiro que o sertão vai virar mar, pois em Sampa, com ajuda da Sabesp, o mar tá mesmo virando sertão... Até o capeta comprou ações dessa empresa, para poder fazer suas piores tropelias com o gênero humano.


Industriais da seca do nordeste, pós-doutores no assunto, já confirmaram presença no Curso de MBA que ministrarão no Auditório da Sabesp, para ensinar aos neo-industriais da seca como é que se faz a coisa. Tradição se une à inovação.






A indústria da seca está muito contente e já pensa em criar uma Sabesp sertaneja pra atuar no sertão de cá, propiciando a todos o conforto que não deve ser apenas apanágio de nossos irmãos sulistas...

Eleição é isso mesmo, há sempre a chance de aprender algo mais sobre nossa terra e nossa gente. Os meus amigos geógrafos poderão ganhar uma bela bolada vendendo livros didáticos com a nova Geografia criada por um nosso conterrâneo, para o mundo se curvar mais uma vez frente à Parahyba (do Norte). Aleluia!!!    

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Sou apenas mais um desinformado


De acordo com os brilhantes critérios "sociológicos" do intelectual neoliberal estadunidense FHC (essa sigla significaria algo do tipo Flúor-Hidro-Carboneto?), me enquadro parcialmente no universo dos desinformados, essa nova categoria que vem sacudir os céus da sapiência nacional.

Nordestino da Paraíba, caio como uma luva nessa definição. Mas, como porto um título de Doutor pela Universidade de São Paulo e me situo numa faixa de renda acima da designada por ele, esses dados discrepam e me agregam, talvez, numa categoria intermediária de semidesinformado, muito embora não saiba se tal definição se enquadre na rígida doutrina desse douto senhor. 

Ah., assino TV a Cabo, na qual passa um tal de Manhattan Connection, programa no qual uma espécie de seita dos informados, diretamente do umbigo do cosmo, exalta tudo de bom que os States tem a nos oferecer - nesse preciso momento em que reviso o texto, mais um tiroteio em Escola demonstra essas altas qualidades da civilidade humana que temos de copiar, decorrentes do famoso sistema winners/losers - e, de quebra, ainda mostra para os brazucas que somos gente desinformada e de quinta categoria. Ah, tamném sei quem são os informados Miriam Leitão, Merval Pereira, William Waack e tanta gente sabida, que informam minuciosamente sobre qualquer eventual delito do atual governo, mas não tem esse mesmo zelo com outras notícias do mesmo jaez quando provindas de ninhos tucanos. 

Sei, por exemplo, que um carro de um petista atropelou criminosamente um gato em Rorainópolis (interior de Roraima) e que a Bovespa caiu mais alguns pontos por causa desse tenebroso delito. Sei à exaustão que Zé Dirceu e sua patota foram condenados, aprisionados e merecidamente transportados de avião às pressas numa véspera de feriado nacional a fim de promover um espetáculo midiático-patrioteiro. Sei tudo sobre Pasadena, até mesmo o nome da cunhada do porteiro da entrada leste, que faz o turno das 08:00 a.m. às16:00 p.m. (fuso-horário da West Coast norte-americana). 

Mas, como sou apenas mais um desinformado, gostaria de saber:

Onde foi parar o dinheiro da privataria tucana?

Qual o nome de pelo menos uma Escola Técnica construída na laboriosa gestão FHC?

Quantos estaleiros esse operoso governo criou no Brasil?

Qual o nome dos diretores e acionistas da Sabesp? Algum deles está sofrendo falta de água em casa? Qual o montante de seus lucros em tratar (ou destratar?) a água como uma mercadoria qualquer?

Quantos mensaleiros do PSDB e do DEM foram parar na cadeia? Algum deles está na Papuda? Pode receber visitas?

Como se deu a aprovação da reeleição de FHC? Foi apenas um Patriot Act?

Onde foi enterrada da grana subterrânea do metrô paulista?

Em que cadeia estão presos os responsáveis pelo afundamento da linha amarela do metrô, que levou a mortes e prejuízos para dezenas de pessoas?

Onde encontro uma passagem aérea para ir junto com umas empregadas domésticas e uns pedreiros para poder pousar no Aeroporto de Cláudio? O helicóptero de Perrela pousa lá?

Como foi o caos da Copa do Mundo?

Por que as notícias são veiculadas seletivamente? Por que o gato atropelado pelo petista criminoso no interior de Roraima gera manchetes bombásticas e os "leves e inocentes" delitos tucanos sequer são noticiados?

Por que, na campanha das "Diretas Já", o povo criou a palavra de ordem "o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo"?

Quais as providências adotadas para coibir a relação incestuosa e promíscua e entre tucanos e a grande mídia, tal como se viu na célebre conversa de Rubens Ricúpero e Carlos Monfort, que vazou inesperadamente dos estúdios da Rede Globo em Brasília?

Há tantas, mas tantas perguntas, que eu, apenas mais um desinformado, gostaria de ver respondidas. Poderiam essas luminosas mentes informadas me brindar com as respostas?

Para os moralistas de plantão: acho que todo delito deve ser punido rigorosamente e que os petistas que cometeram os mesmos devem mofar na cadeia, mas não entendo a falta desse mesmo zelo moral em relação a tudo que os tucanos promoveram no país e continuam a promover em São Paulo. Justiça, ou é impessoal e imparcial, ou é perseguição. A venda da deusa tem de estar abaixada à frente dos dois olhos... Moralidade é algo bem diferente de moralismo, viu neoUDN?

                                                                   
                                                 Ângelo Emílio da Silva Pessoa, apenas mais um desinformado.


  

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quarta-feira, 16 de julho de 2014

Coxinhas X Boys: a última fronteira da luta de classes.

         
                  Foi depois que as elites se revoltaram contra suas próprias regras – que usavam para empulhar e impingir à “pobreza digna” mas que lhes criava certos embaraços pela necessidade de dar o “bom exemplo” –, que adotaram o lema “me deixem torrar meus milhões em paz e não me encham o saco”. Para evitar reclamações, adotaram também o plano neo-buschiano de ataque preventivo expresso no princípio “agrida os pobres antes que eles o façam”. A partir daí, tocar fogo em mendigos ou obras de benemerência social desse quilate passaram a ser normais e usuais nessa singular transvaloração de todos os valores.
                Para que os limites e as tais regras de gentileza e civilidade? Que bobagem esse troço de respeitar crianças babonas, velhinhos decrépitos e pobres fedorentos? E essa presepada de defender ecologia, índios, bichas e outras chatices do tipo? O negócio é curtir adoidado gente bonita e endinheirada e cair na balada da vida. Esse treco de bons modos e frescuras mais é coisa de fracassados. Para que tratar bem fracassados e vir com essas besteiras de solidariedade que uns padrecos e comunistinhas – que já deviam ter sido degolados ou incinerados pelo governo ou pelo robocop  – andam apregoando por aí? Bom mesmo é transformar a estupidez em obra de arte, dar coices uns nos outros e deixar expandir todas as sensações numa overdose tipo dez de adrenalina.
                Daí, surgiu o movimento dos coxinhas, que revoltado contra as regrinhas do bem viver que os idiotas de seus avós haviam criado, resolveram jogar tudo para o alto e passaram a praticar esportes mais adequados às suas índoles: espancamento de pessoas indefesas nas madrugadas das cities, ataques a garçons que demoram a atender, porrada em empregadas preguiçosas. Pra que papai paga salário pra baranga e não quer me dar aquela Ferrari tipo último tipo? Quer negócio é esse do governo gastar dinheiro de meus impostos (eu que nunca os paguei) com esse povaréu imundo? E se eu mesmo não tenho essa gaita, mas sei fingir com sinceridade e convicção?
                Duas regras básica do movimento são a depuração contínua e a cooptação irrestrita. Em relação à primeira, vale sempre trairagem para com os fracos do próprio movimento. Se algum desses babacas for pego ajudando uma velhota a atravessar a rua, dando esmola a um pobre seboso, defendendo um fracote de apanhar ou qualquer uma dessas imbecilidades, deve ser imediatamente tipo detonado, escorraçado do grupo, deve ser pego na covardia pelos kamarada e apanhar feito mendigo de rua:
– Vá lá se juntar com seus amigos comunistinhas de merda, seu otário!!!     
O movimento só tolera os fortes...
Para a segunda regra, vale aceitar qualquer um que tiver grana, venha de onde vier, seja amealhada da forma que for – nem que seja um falso filho de dono de empresa aérea, falsa socialite etc. Esses são até os melhores, porque mostram como se deve conduzir honestamente nessa selva humana. Qualquer um que tiver a garra suficiente, a ousadia necessária, a adrena no pico, deve ser imediatamente agregado ao movimento, mesmo que depois possa ser varrido tão rápido como entrou. Que interessa se o carinha foi pobre? O lance agora é que ele é rico e vestiu o nosso ethos: é contra governo, pobres, bolsa-preguiça, velhotes, fracotes, pixotes e essa gente que só enche nosso saco.
Rompido o solene “pacto de proteção”, em consequência se selou a quebra do “vínculo de obediência”.
Do lado de lá da city, no meio da gentalha feia, os netos da velha e boa “pobreza digna” aprenderam que os avós também eram uns otários de marca maior. Pra que esse treco de estudar, tirar diploma, respeitar leis? Se os coxinhas não tão nem aí, por que nós teremos alguma conduta diferente? Essa coisa de maluco que os pobres terão lugar no reino dos céus e devem ser solidários entre si é coisa de padrecos e comunistinhas. Que se danem!!!. O negócio é curtir adoidado, bater o pancadão e mandar ver na porrada. Tudo pros kamarada e fodam-se os outros.
Entre boys, expostos desde a puerícia aos efeitos da agressão institucionalizada e mercantilizada, o negócio não é mais criar essas leseiras de movimentos sociais, partidos, sindicatos, centros comunitários e os tais mecanismos de luta social. Agora é virar horda e detonar o sistema, muito embora o tal sistema não seja exatamente algo identificável no horizonte de eventos: de preferência, algum idiota que nos atravessar o caminho, esse é o sistema: pode ser um professor, uma enfermeira, sei-lá-quem. Qualquer um que disser que eu tenho algum limite, leva um cacete e vamo que vamo. Não vamo nem derrubar o tal sistema, apenas vamo tomar o lugar de quem ta lá e vamo baixar o pau em que pensar ou fizer diferente. Afinal, boy de hoje pode ser coxinha de amanhã...
Sem saberem bem, coxinhas e boys, envoltos nessa feroz cadeia alimentar, se enfrentam rua a rua, quadra a quadra, bairro a bairro... Nada da tal de ordem pública e essas coisas ridículas, o negócio é cada um curtir o seu e o governo e os outros que se fodam. Na última fronteira da luta de classes não há partidos, não há socialismo, não há regras: há selvageria em estado pleno, com apoio entusiasmado dos mass mídia e agentes de mercado, que encontram nichos valiosos para comerciar qualquer produto de ocasião.  


De seu Gabinete de Altos Estudos Pomeranos, cercado pelo acervo de seus referenciais teóricos, o emérito sociólogo discorreu sobre o inquietante fenômeno (que não é bem um jogador de futebol).





               Chamado para analisar o fenômeno, o mundialmente respeitado sociólogo Emerenciano Virgolino constatou: “trancados em condomínios fechados ou empurrados para as favelas, coxinhas e boys foram se tornando vítimas-algozes do espaço pós-freyriano, no qual inexiste qualquer zona de confraternização, não há equilíbrio de antagonismos, mas o antagonismo em estado puro. Estão uns de frente para os outros, não há regras, não há semelhantes ou respeito, há hedonismo agressivo do tudo aqui e agora, sem limites, afinal, em breve coxinhas e boys ‘vão estar assumindo’ o comando da bagaça – que besteira é essa de sociedade? – e o lance é descer o porrete em quem não é da nossa turma”.
Coxinhas e boys têm idades indefinidas (sejam meninos ou meninas), podem chegar aos 40 e manter a firme infantilidade de adolescentes tardios. É para eles que vai ficando a terra prometida, que haverão de transformar em lugar de paz, concórdia e silêncio depois que liquidarem-se uns aos outros... e a luta continua...

terça-feira, 1 de julho de 2014

Dois Atos, algumas cenas e breves conclusões

ATO 1 (desprezada a sequência cronológica dos Atos) – Brasil 2014

Cena 1 – Estádio Mineirão (Sábado, 28/06/2014 – 13:00): Torcida brasileira, composta em sua absoluta maioria de representantes de nossas valorosas classes altas e médias, vaia vergonhosamente o Hino Nacional chileno, desprezando o dever de anfitrião de respeitar o símbolo nacional do visitante. Não se trata de vaia ao adversário de jogo durante a partida, mas de desrespeito a um símbolo caro aos nossos hóspedes. Locutor da TV de maior audiência fala constrangido em “festa”, perdendo a oportunidade “pedagógica” de dar um repto à “maleducação” de nossos endinheirados despossuídos de civilidade. Estimulada por tal conduta amistosa, a torcida chilena responde com vaias à execução do Hino brasileiro. Agregue-se ao desvalor de tudo isso, dias antes, a bela demonstração de finesse da torcida da seleção brasileira no Estádio Itaquerão  – igualmente endinheirada e deseducada –, traduzindo o que pensam aqueles que compreendem e respeitam apenas a linguagem do dinheiro.     

Cena 2 – proximidades do Restaurante Recanto do Picuí, Bairro de Intermares, Cabedelo – PB (mesmo dia – 16:30): Esfomeados pela longa e tensa partida do selecionado canarinho (lembrando que no meio da tensão o craque célebre não esqueceu oportunamente de fazer sua propaganda de cueca), eu e Sandra nos dirigimos ao Restaurante, cruzando, no caminho, com carro ligado, luz de ré acionada, homem adulto à frente e criança no banco traseiro, com “galega de farmácia” correndo em direção ao veículo. Ante cena inusitada, dois minutos depois descobrimos com garçom do estabelecimento que a tal “família” havia fechado a conta, solicitado uma cerveja adicional, com acréscimo em nova conta, aproveitando a oportunidade para se evadir do estabelecimento sem pagar a conta. Esperteza bem típica daqueles com compreendem e respeitam apenas a linguagem do dinheiro.

Cena 3 – dias antes, Estádios da Arena Pernambuco (Recife) e das Dunas (Natal): após seus jogos na Copa, a torcida japonesa demonstrou toda a sua polidez, limpando os restos de seu consumo ao longo de suas partidas. Sem maiores comentários. Precisa?

Cena 4 – Uruguai (25/06/2014): Comentando a dentada de Luis Suárez no jogador italiano Chiellini, sem fazer concessões às patriotadas de ocasião, o herói uruguaio Alcides Ghiggia, proferiu a seguinte afirmação: “Creio que uma punição poderia ser (aplicada) porque é absurdo, não é a primeira vez que isso acontece. Não sei o que esse rapaz pensa, o que ele tem na cabeça... Seja uruguaio ou de outra nacionalidade, sempre é preciso reprovar essas coisas em campo de jogo, isto não é uma guerra”.  

ATO 2 – Brasil, 1950    

Cena Única – Maracanã (16/07/1950): Alcides Ghiggia marca o segundo gol do selecionado uruguaio na final da Copa de 1950. Silêncio no Estádio e torcida volta amargurada para casa. As imagens preservadas sugerem uma grande tristeza, mas não se presenciam cenas de pancadaria e quebra-quebra.

Juntando esses Atos e cenas, de grande ou pequena escala, podemos tecer algumas breves conclusões:

1) Vaiar o time adversário durante o transcorrer da partida não é o mesmo que desrespeitar o Hino alheio, símbolo da nacionalidade de nossos visitantes. Como anfitriões, nos cabe o dever da cortesia, tal como tratamos um hóspede em nossa casa.
2) Patriotismo não é vale-tudo e aceitação de agressões desmedidas. A torcida de 1950 respeitou a vitória uruguaia e Ghiggia, passados 64 anos, manteve a coerência de não confundir uma prática esportiva com a apologia da grosseria e da agressão. Temos muito a aprender com a torcida de nossos pais e avós e outros tantos craques de bola e educação do passado.
3) É pífio o argumento da suposta “cultura” da vaia para definir a conduta da torcida brasileira. O que se fala sobre 1950 é de um silêncio impressionante no Maracanã, mas não uma vaia ensurdecedora. Outrossim, mesmo que existisse uma suposta “vaia cultural”, a educação e a polidez permitem que alteremos condutas culturais e adquiramos novos hábitos e valores. Que tal copiar esse bom hábito nipônico, sem entrar naquela de que eles são superiores e o povo brasileiro não presta? O problema é educacional, não cultural, racial ou qualquer outra dessas baboseiras.
4) Sobre isso, vale salientar que a torcida brasileira presente aos estádios não é composta do “Zé povinho”, mas dos bem-nascidos da terra, que se imaginam acima do vulgo e se pensam gente da melhor procedência. Indispensável frisar que hoje têm sido feitas todas as apologias à grosseria, desrespeito, oportunismo, que estão fazendo que relevemos maus hábitos como vaiar o Hino do visitante, aplicar golpes em bares e restaurantes, fazer barulho e descartar enormes quantidades de lixo em bairros de classes médias em grandes cidades brasileiras. Não é esse tipo de “valores” que estamos a “festejar”?
5) Aproveitando a ocasião, os meios de comunicação de massa, as mídias sociais e outros agentes de comunicação (e por que não, de educação ou deseducação?), poderiam fazer campanhas para que em Fortaleza a nossa torcida faça jus à dignidade de nossos pais e avós em 1950, respeite o adversário colombiano na hora de seu Hino, aproveitando para limpar o Castelão após a festa esportiva.
6) Está na hora de superar a mentalidade senhorial-escravocrata e seu cortejo de abjeções de comportamento, expressas na absorção continuada do que há de pior nas nossas elites (esnobismo, oportunismo, arrivismo) por aqueles que conseguem ascender economicamente. Tal ascensão deve se dar, também, no plano educacional.
7) Outrossim, a distinta senhora e seu nobilíssimo consorte bem poderiam pagar a conta em ocasiões futuras e não dar o exemplo da canalhice militante frente ao seu filho, exposto a pais tão insalubres, que mereciam uma séria advertência do Conselho Tutelar ou da autoridade policial, para aprender a ter vergonha na cara.           

segunda-feira, 26 de maio de 2014

ENTREVISTA: Onophra Kasperhöuser, Pós-Doutora Jubilada em Cânones pela Universidade de Tübingen e Magister Honorabilis da Universidade de Blefusco, a Velha.

Onophra Kasperhöuser nos brindou
com brilhante entrevista sob os gorjeios
das gralhas do Helesponto.
Num ribombante feito editorial, nossa equipe foi recebida pela brilhante intelectual em sua dacha, numa fagueira tarde primaveril, regados pelo sinuoso paladar do chá de azeviche da Armênia e finos biscoitos de fécula de trigo selvagem da Pomerânia e anêmonas do Mar de Azov, quando os rouxinóis do Reno doiravam em notas de puro trinado argênteo o crepúsculo que se avizinhava. Em meio a esse cenário outonal e com o pano de fundo de sua valiosa Biblioteca pessoal, a Pós-Doutora Jubilada discorreu com suas reconhecidas modéstia e coloquialidade, mesmo mantendo a tensão da mais pura polêmica intelectual, acerca de sua mais recente obra, que formaliza e sintetiza décadas de investigação da célebre Escola Neológica de Sebastopol, como ela mesma frisa em sua fala. Onophra Kasperhöuser dispensa apresentações, vamos ao deleite de sua valiosa entrevista. 
  
Diatomáceas: Bom dia, Pós-Doutora Onophra. Nossos leitores gostariam de saber quais são as formulações básicas de seu mais recente trabalho Interpolações epistemológicas do neoblochismo através de um approach neo-pós-descontrutivista em modulações quântico-relativistas na diagnose do fenomenalismo historicista[i]

OKHPDJCUTMHUBV: Saudações aos leitores. Realmente, minha mais recente investigação parte da averiguação de uma diagonalidade inferida por Spiegel[ii] em uma sugestiva passagem de seus preâmbulos interconexos, na qual ele intui que as inflexões da Lei de Barrabás[iii] aplicadas às diagnoses possíveis – digo e friso, possíveis –, exigem uma abordagem senoidal para tornar-se possível observar os approachs oferecidos pelos modelos intercausais. Frisei o termo possíveis, para me afastar das conclusões indevidas de H. Von Schnauser[iv], que considero insuficientes para uma investigação adequadamente exponencial e pertinente ao objectus bolidus que é referencial mono e pluricausal da fatuidade ontológica do devir. Dito isto, pude constatar que uma análise modulada das propriedades vibracionais da dialética neo-pós-descontrutivista, que tangenciem as conclusões mais que axiomáticas da Escola Neológica de Sebastopol[v], permite agenciar o conjunto dos fatores que desvendem a gnosis do fenomenalismo historicista. Isso abre, num exemplo bastante concreto, perspectivas promissoras para entender os espectros de fronteira entre a analítica politológica de Milk e a politologia prolegomenal de Coffe[vi]. Digamos, sem qualquer laivo de vanidade, que essas modulações quântico-relativistas estabelecem as bases definitivas para o entendimento dos campos de força entrevistos pelo sintagma neoblochiano - veja-se todo o variegado e riquíssimo corpus de Apolônia Bloch. Não há mais nada de novo a ser dito nessa área, por sinal, podemos até falar numa constatação bastante coloquial que as teorias neo-fragmentadoras de Künz e da Linea Maginotus estão definitivamente subsumidas ao conectivismo de Cantacuzeno[vii] e sua opus maximus da Escola Neológica de Sebastopol. Tenho a honra e a modéstia de ter sintetizado em linhas precisas um longo esforço de reflexão que perfaz décadas de percucientes análises pioneiramente inauguradas por Cantacuzeno já nos albores da Era Paregórica.

Diatomáceas: Mas, considerando as siderações especulativas de Herênius Cardozo[viii], não poderíamos alimentar a perspectiva...?   

OKHPDJCUTMHUBV (interrompendo): Gostaria de obtemperar veementemente que essa formulação advém da busca de uma solução para a derivativa de Celsus, que permitiria, supostamente, digo, supostamente, estabelecer uma constante sociológica para o ruído de fundo psicohistórico. Definitivamente, por mais tentadora que possa ter sido essa pueril tentativa, temos, hoje, condições bastante sedimentadas para crer que os esforços de sua reconstrução confluem de uma dogmática estabelecida pela leitura ortodoxa de Funks, que criou um Deus Ex Machina lingüístico e estatístico. Vê-se, por essa consideração, que as interfaces propugnadas por nossos intelectuais maginotianos[ix] – pessoas de inegáveis talentos, mas desprovidas de fundamentos mais sedimentados nas bases epistemológicas da ciência de Albertus Robertus[x] – são de ordem estritamente metafísicas, desprovidas de qualquer sustentabilidade empírica. Posso dizer que são interessantes jogos mentais, mas carecem de qualquer aplicabilidade na ordem prática, conforme mencionei na resposta anterior, a partir dos casos-exemplo então aduzidos.  

Diatomáceas: Efetivamente, esse problema já foi abordado em outras obras de sua lavra, mas permanece, digamos, um “ruído de fundo” em relação ao paradoxo de Quaker[xi], que estabelece os limites prosódicos do ente universalis na interação com as grandezas algébricas do empiricismo historicista. Como podemos, então, derivar essa enfiteuse rumo ao fenomenalismo historicista sem incorrer na célebre aporia de Hermengardus[xii]?        

OKHPDJCUTMHUBV: Essa questão equivale a andar no fio da navalha lógico. Efetivamente, a aporia de Hermengardus coloca um desconexo ainda não linkado no plano estritamente ideológico, mas quando ingressamos nas sendas do fenomenalismo historicista, é possível perceber que tal controvérsia se desvanece e podemos afirmar peremptoriamente que, tanto a aporia quanto o paradoxo, se transformam em meros jogos intelectuais, sem fundamentos nos prolegômenos de Sebastopol.   

Diatomáceas: Entretanto, se considerarmos as observações marginais de Springer[xiii], podemos constatar que...   

OKHPDJCUTMHUBV: Deixe-me interrompê-lo e ressalvar que impugno tal questionamento, por não reconhecer em Springer e sua “Escola (!!??)” qualquer credencial séria para enfrentar mesmo aspectos menores das diagonalidades de Spiegel. Simplesmente, o debate não flui por aí, não está na ordem das coisas.

Diatomáceas: Mas..

OKHPDJCUTMHUBV:  Decididamente, nessa seara não há sustentação qualquer para qualquer inferência séria e com o mínimo do rigor necessário. Só para não deixar os leitores menos avisados sem alguma referência, veja como são inadequadas tais “formulações”: o que dizem eles sobre as circunvoluções institucionais? Nada. E sobre as interfaces do debate entre minimalistas e maximalistas? Abaixo da crítica. Que acrescentam ao esforço de rankeamento cinetoscópico da cosmofera científica? Absolutamente questões irrelevantes que não mereceram publicações ou citações em qualquer periódico com o mínimo de pontuação no sistema mars polar calota. Veja que a Doutora H. Von Schnauser, digo e friso, Doutora, tentou dar alguma guarida a essa linhagem desalinhada, mas, mesmo ela, com suas limitações, percebeu que seria inadequado prosseguir em vereda tão infrutífera do petit debat.   

Diatomáceas: Compreendemos e seguimos por outra seara, solicitando suas considerações acerca dos palpitantes eventos recentes acerca do informe reservado 357, que estabelece normas técnicas extremamente restritivas para a livre circulação de informações no âmbito do cosmo-science e das plataformas integristas.  

OKHPDJCUTMHUBV: Quanto a isso, creio que há um verdadeiro oceano de equívocos. Um samba do caucasiano doido. Vejam, já em nossa primeira Magnus Opus, sobre as interações sociopsíquicas na politilogia do Chade[xiv], interpelamos a comunidade científica e historiográfica a respeito da inadequação de se observar a restrição fontes de quaisquer natureza. Qualquer representação significaria uma restrição totalitária do nous, que jugulava a possibilidade da veritas. Nossa opção pioneira por incinerar os documentos existentes no Arquivo Público daquele país, para liberar o sentido da imaginação e invenção, significou um trabalho realizado com bastante afinco, a fim de estabelecer as bases efetivamente silogísiticas da veritas. Se à época houve certa surpresa ou até oposição nos meios acadêmicos – que Cantacuzeno e eu própria reduzimos a pó e cinzas –, hoje é lugar-comum reconhecer que a mediação das fontes significa apenas uma ilusão pseudo-intelectual na produção fenomenalística da escrituração, sendo o imago da veritas a imaginação pós-descronológica[xv]. O resto, podemos dizer com certa fleuma, é pleonasmo, puro pleonasmo.      

Diatomáceas: Nos despedimos da Pós-Doutora Jubilada honrados e embevecidos com oportunidade tão rara de ouvir tal homilia sapiencial e ansiosos por ouvir suas despedidas Urbis et Orbis.

OKHPDJCUTMHUBV: Saravá. Amém. Evoé. Ultra Man. Rosquinhas de Coco. Banzai.  




[i] Bayeux: Somme/Ardennes, 2017.
[ii] Refere-se ao celebérrimo Klaus Helmut Spiegel, verdadeiro monstro sagrado e monumento dos píncaros da glória do pensamento pós-contemporâneo.
[iii] Legis Barrabás ou princípio de legitimação cossecante dos efeitos de ilusão pós-contemporânea na dialógica enfitêutica do logos plenum.
[iv] Hildebranda Von Schnauser, emérita culturóloga econometrista da Escola Derivativa de Katmandu. Não confundir com Ildefonsa Von Schnauser, papisa da Escola Posneoliguística Parúsica de Piripiri.   
[v] Escola Neológica de Sebastopol, liderada por Cantacuzeno e Kasperhöuser, que define a inexistencialidade da potenciação da poiesis do ontos no imago da veritas. Referência indispensável nos novos estudos pós-contemporâneos.
[vi] A analítica politológica de Milk e a politologia prolegomenal de Coffe ancoram o debate pós-contemporâneo em sua vertente neopós-contemporânea, que se opõe à vertente arqueopós-contemporânea, de Flink e Von Silva. 
[vii] Cantacuzenus. Mestre da Pós-Doutora Onophra, que o considera o fundador de toda a dialogia da Escola Neológica de Sebastopol. 
[viii] Vide sua obra Siderações Especulativas no estudo compreensivo e expressionista do Legalismo Neopóscientológico de Potter.
[ix] Refere-se a Pós-Doutora Kasperhöuser aos adeptos da Linea Maginotus, grupo de pensadores descartesianos, liderados no início da Era Paregórica pelo Doutor Herênius Cardozo, paradigmático e genearcologista da Universidade Transcendental da Basileia-Dortmund. O termo intelectuais maginotianos é mencionado em forma de blague e não sem ironia, devido à denegação que os pensadores de Maginotus fazem ao termo intelectual e sua adoção da terminologia pensador para a definição de sua atividade cognoscente. 
[x] Pensador clássico pré-Paregórico, sob cujas Considerações Tempestivas e Tempestuosas acerca da gnosis pré-Paregórica, se estruturaram as divergências centrais do lidiismo nominalista que se segue há décadas.  
[xi] Paradoxo de Quaker: Protocontradição teorética relacionada à obra de Severinus Quaker, que estabeleceu um acirrado debate nas últimas décadas do século anterior, opondo cientologistas californianos aos Philosofes da Escola neoessencialista de Oricuri. A controvérsia gerou obras de relevo no pensamento contemporâneo, embora datadas pelo contexto da famosa “crise dos parâmetros”.  
[xii] Aporia de Hermengardus: Principal formulação decorrente da crise dos parâmetros ou “querela dos quantuns sociocêntricos”, que chancelou o ingresso das teorias neoregencianas no quadro do horizonte psicohistórico. Feuderhann, numa abordagem não despida de ironia, a designou como “o beco sem saída de todo o pensamento ocidental”.
[xiii] Springer Socic Admiral. Líder do Grupo Herênius Cardozo, vinculado à Universidade Filarmônica de Lemúria e propositor do célebre Simpósio de Culturama upper Guaçu. 
[xiv] Refere-se a Pós-Doutora a uma de suas clássicas Magnus Opus: Translações obliteradas nas interações sociopsíquicas na politilogia do Chade: aspectos teoréticos e metodológicos de uma investigação a partir do imago da veritas (Luxemburgo/Vaduz: Universitat Comblusiana, 1965).   
[xv] Como diz em letras pétreas a Pós-Doutora Onophra Kasperhöuser em seu polêmico e instigante artigo A Fonte real: a construção do imago da veritas a partir da negação da fonte material: dialógica da incineração dos arquivos de múltiplas dimensionalidades e suporte: a experiência no Chade (ImagoClio, ANO LVII, Nº 333, 1966), “o registro documental em qualquer suporte é uma violentação da essência do ontos, por isso, o ontos só é atingível em sua essência pela imaginação do logos sobre si”.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O Pão Metafórico do Cartismo


Na estranha "alquimia" da "padaria cartista", o pão das massas foi transmutado na massa do pão.





Aconteceu em 1988, nas aulas de História Contemporânea, ministradas pela Professora Inês Caminha.
Inês, professora bastante exigente, havia passado uma boa dose de leituras, sendo que uma delas, que não consegui localizar entre minhas pastas do passado mesmo após buscas insanas e ajuda de Pablo (erro imperdoável para um historiador desde o tempo dos metódicos), continha algo sobre movimentos sociais na Inglaterra ao longo da Revolução Industrial.
Detalhes à parte (detalhes documentais importantes), recorrerei à traiçoeira memória para não deixar escapar a história...
O fato é que um dos textos (ainda hei de localizá-lo) continha uma citação que dizia algo em sentido figurado sobre o Cartismo, mais ou menos nos seguintes termos: “cartismo é uma questão de faca e o garfo, de pão e o queijo...”, enfim, como descobri na internet, o orador Joseph Rayner Stephens assim definia o movimento em 1838 e devo ter lido em termos aproximados na “apostila” de História Contemporânea.
O problema não é que o Cartismo tenha me empolgado especialmente à época (o que não significa qualquer antipatia ao movimento, muito pelo contrário), apenas destaco que se verificou, digamos, algo como uma microhistória em relação ao tema, dessas meio corriqueiras em salas de aula, que até hoje reboa nos circuitos da minha memória.
Algumas figuras da sala de aula, não muito amigas de leituras – na verdade, francamente hostis à leitura (algo muito peculiar e visto às vezes com uma “naturalidade” inquietante em Escolas e Universidades brasileiras) –, comentavam e roíam os neurônios, sem conseguir entender, afinal, por que o Cartismo era um pão? O que diabos tinha a ver o combativo movimento social inglês com o alimento nosso de cada dia?
Aulas se passavam e o ruído do pão Cartista ecoava em rumores meio espantados meio raivosos na sala; a tensão aumentava, mas as figuras não tomavam a iniciativa necessária, qual seja, por que simplesmente não perguntavam à professora o que significava aquele pão de gosto tão estranho? Basicamente, se reclamava contra o pão cartista e contra a professora, mas o problema seguia e se agravava.
Às vésperas da prova, uma das figuras, emissária das demais que ficaram de rabo de ouvido à espreita, se acercou de minha pessoa e perguntou de chofre:
– Por que o Cartismo é um pão?
Refeito do susto de tão objetiva e certeira pergunta, tentei obtemperar alguma coisa, não sem antes ouvir severas perorações contra a professora que havia “passado apostila tão difícil”, “o que essa apostila tinha a haver com os alunos da rede” e coisas do gênero. Mas, tentei diplomaticamente continuar:
– Bom, fulana... isso não significa que o Cartismo seja um pão de padaria, desses que a gente come. O autor está usando uma linguagem figurada com a citação do discurso, ele se refere aos direitos do povo de reivindicar, de ter uma boa vida etc etc etc...
Até aí tudo bem, mas cometi um erro imperdoável, que redundou no naufrágio do conjunto da obra: 
– Pois então, o Cartismo não é um pão de padaria, é um tipo de pão metafórico... e continuei alguma bobagem adicional.
Ao falar em “pão metafórico”, percebi que as figuras se entreolharam e de imediato escreveram às pressas em seus cadernos. Ali estava um “bizu”, uma “cola”,uma “fila”, uma dica infalível... as provas haveriam de prosperar. Com uma palavra bonita dessas...
Poucos dias se passaram, provas realizadas, e a Professora Inês comunicou as notas, com alguns comentários gerais sobre o desempenho da turma. Observou que havia algumas provas muito boas, mas, curiosamente, em oito delas estava escrita a impenetrável e insondável frase “o Cartismo é um pão metafórico”, cujo sentido ela ignorava completamente...
Oito pares de olhos repletos de ódio simultaneamente gélido e ígneo me encaravam por ter dado a dica errada... Dava pra sentir a frialdade do ambiente e o desejo das criaturas que o chão se abrisse sob meus pés e eu fosse queimar nas profundezas do inferno, comendo o pão que o diabo cartista amassou... eu haveria de pagar amargamente por isso...  
Sei lá o que aconteceu no futuro com as figuras, sei lá se elas se lembram do episódio, a não ser, talvez, para comentar minha atitude que julgaram sacana por ter passado a fila errada às vésperas da prova. Não sei se até hoje elas conseguiram digerir o pão metafórico do Cartismo, mas creio que paguei caro esse involuntário pecado de suposta falta de solidariedade anos depois, já como professor na Faculdade de Bragança Paulista, quando sugeri uma monografia como avaliação para uns alunos de História do Brasil Império e uma figura cutucou no braço da outra com o seguinte comentário:
Manografia é porque é a mão. Se fosse a máquina era datilografia...

Cai o pano...

sexta-feira, 4 de abril de 2014

A Bimilenar Quermesse Etílico-Historiográfica

O Padroeiro dos Historiadores registrou a
chatice universal em seu Syllabus condenatório.
                Falha-me a memória e não sei dizer se foi o Honorável Dan ou Edson Joaquim que me telefonou num determinado dia lá pelas calendas de 1993 ou 94, dizendo que havia comprado um Dicionário de Santos e que descobrira a gloriosa existência de um Padroeiro dos Historiadores, Santo Isidoro de Sevilha, com sua data comemorativa em 04 de Abril.
                Esse sinal se tornou um verdadeiro vaticínio. Telefonemas foram trocados em profusão e um desses planos sórdidos, urdido por mentes desocupadas e desequilibradas, começou a ser posto em prática: por que não promovermos uma Quermesse para nosso excelso Padroeiro? Afinal, seus grandes e insopitáveis méritos – os quais ignorávamos completamente – exigiam uma festança à altura das mais legítimas tradições do e de ofício.
                Na inexistência da internet (que também veio a ser mais tarde protegida pelo mesmo venerando Padroeiro sevilhano, o que deveria gerar o pagamento de royalties aos historiadores, os quais modestamente me candidato ao difícil mister de receber), procuramos em Enciclopédias os escassos dados sobre nosso Santo. Um descobriu que o mesmo era grande erudito e importante Doutor da Igreja, autor das célebres Etimologias, que reuniam vasto conhecimento disponível em seu tempo, entre os séculos VI e VII, além de suas Histórias dos Reis Visigodos. Outro descobriu, ou imaginou após virar canecas de cerveja, que havia grandes festividades em Sevilha e cercanias.
                Essa “descoberta” foi a senha para decidirmos realizar com fervor uma portentosa Quermesse, uma pândega com direito a farto consumo de bebidas espirituosas. Logo, a turma resolveu sofisticar bastante as coisas, porque uma sacanagem bem feita exige rigoroso planejamento e organização.
                No plano material, o Honorável Dan e Edson Joaquim se puseram a levantar fundos para as viandas e bebidas da festa. Foram às feiras dos burgos circunvizinhos e compraram, em generosa promoção, muitos e muitos barris de vinho missal e uns sacos do delicioso salgadinho que matou Iscariotes.
                No plano espiritual, eu e Chico “descobrimos” que a mais antiga Ordem Regular do mundo cristão – ou seja, a nossa – nascera há mais de 2.000 anos, ou seja, antes mesmo de Cristo. São Bento era moderninho frente à anciania e tradição Isidoriana. Não poderíamos aceitar como digno de consideração nada inferior ao bimilênio.
De posse de tais dados realizamos tumultuada Eclésia, ocasião na qual se discutiu uma série de pontos doutrinários sobre se a Ordem seria exclusivamente de Frades ou se haveria Freiras, se seria mista, se haveria Irmãos Leigos et coetera. Enfim, após uma pletora de argumentos e latinórios deblaterados enérgica e etilicamente, num rompante pachorramente meditado, os gerontes decidiram que havia sido criada a Bimilenar XXIV Pia Irmandade dos Filhos Bastardos de Santo Isidoro de Sevilha, com todos os selos, carimbos e estampilhas de direito, para inveja de todo o Orbe e gáudio da cristandade.
                Jamais se resolveu exatamente o problema da Sigla, uma vez que se digladiaram por dois milênios duas tradições inconciliáveis, duas vertentes dogmáticas da mesma Ordem, compostas pelos mesmos Irmãos: de um lado ficariam os adeptos da I.S.I.S. (Irmandade de Santo Isidoro de Sevilha), de outro, a O.S.I.R.I.S. (Ordem de Santo Isidoro Reverendíssimo Irmão de Sevilha). Isianos e Osirianos sectariamente não se bicam há mais de vinte séculos, apesar de serem as mesmas pessoas.
                Para a escolha do Conselho Curial, os Irmãos elegeram por aclamação, unanimidade e revelia o Frater Dom Reverendo Abade Paulo Valadares, judeu impenitente e pertinaz, historiador e genealogista de nomeada e autor de romances de faroeste nas horas vagas. O cargo principal, de Irmão guardião dispenseiro, aquele que controlava o fornecimento de bebidas espirituosas, que guardava as chaves da adega monacal, coube ao Frater Venerável Piassa “o caveira cheia”, homem de ilustradas qualidades intelectuais, lustradas pelo óleo escorrido e destilado da seiva da cana arábica, solicitada a todos os estalajadeiros existentes acima do chão e abaixo do céu (segundo a inspiração do lendário Jessé de Xerém, eremita da noitada dos tempos). Aos Frater Neuderius, Geraldus, Edsonius, Ivanius e demais, couberam Dignidades, Consulados, Diaconias, Comendas, Prebendas e Mercês diversas na intrincada Cúria da Bimilenar Ordem, sem qualquer reserva contrária ao recurso ao paroquialismo, ao nepotismo e todas essas benesses esquecidas por esse decaído mundo moderno que sucedeu o glorioso século IX da Idade do luminoso Alto Medievo.
                O Brasão da Bimilenar – com dois exemplares descobertos em piedosas escavações realizadas nas ruínas abandonadas do Templo de “arcadas gregas e horrores arquitetônicos” da urbe campinana e no encanamento do Chafariz da Poderosa –, ostentava as folhas de cana e portava o singelo dístico Canae Spiritu spiritum collustrat, que na língua de Luís de Camões teria o arcano significado “o espírito da cana ilumina o nosso espírito”. 
                Coube ao Venerável e Condestável Chico, inspirado pelos barris e copázios fornecidos pelo Frater Piassa, a escrita apócrifo-oficial da Bimilenar História da Ordem, já escrita nos albores do primeiro milênio pelo Venerável Ungulano de Tuhiuty, irmão que cruzara em milhares de toesas celtas os Campos Catalúnicos depois do passamento de Átila, o compassivo. Coube-me na qualidade de Frater Orator, preparar o discurso panegírico solene que seria pronunciado por ocasião da nossa vibrante Quermesse, em benefício das baratas sobreviventes da Terceira Guerra Mundial, na Data magna de 04 de Abril, que se aproximava celeremente.

Cartaz da Bimilenária Ordine Frater Isidorianus.
                  Ajudados pelo Noviço Mauricius Barcalonensis, preparamos as vestes talares para a cerimônia, a acontecer na Noite de Santo Isidoro, no Salão Nobre do DCE da PUCCAMP. Tais vestes, nas simbólicas cores branca e preta, traziam a imagem do Padroeiro, a referência à célebre contenda de Buñuel (Batismo: a) aspersão, b) imersão ou c) pulverização?), imagens de cânticos Isidorianos, garrafas do espírito da cana e, por fim, uma peroração em latim com profundo e enigmático significado litúrgico.
                Feitos os esmerados preparativos, com direito à severa reprimenda de um Padre Secular da PUCCAMP, desgostoso com o zelo dos Isidorianos, a patuscada, com numerosa presença de fiéis, se alongou pela noite, com direito ao pronunciamento de uma Irmã Leiga Nipo-Pôrra Louca gritando em sânscrito, cenas de blasfêmia sob autorização do Freire Micaelus Bakhtinius, empolados discursos e homilias, que fizeram correr de pânico pela Regente Feijó, os devotos da IURD que saíam àquelas horas tardas de seu culto. Pandemônio total, terminado no Monastério do Pastelonius já na avançada madrugada-que-namora-a-aurora, quando os Irmãos davam eloqüentes testemunhos eivados de plena devoção.
                Os Venerandos Guardiões Maiores Esmoleres da sublime adega, sob os auspícios do Venerável Piassa “o caveira cheia”, Honorável Dan e Frater Isaac Edson (em sua versão hebréia-isidoriana), conseguiram que o finíssimo vinho missal (verdadeira ambrosia olímpica) e o salgadinho Iscariotes dessem um lucro de espantosas proporções, que deixaria os Médici e os Rothschild humilhados per saecula saeculorum. As generosas receitas oriundas de tal portento geraram uma farta churrascada dias após, quando os Isidorianos narraram as tradições da Ordem para os ouvidos espantados dos noviços, embasbacados com o peso e circunferência abdominal das vetustas tradições que se perdiam no fundo do oco-do-mundo.
                Reza uma piedosa lenda que, dessa singela cerimônia – registrada em vestígio oral cujo fragmento se acha cerrado num cofre secreto, depositado por Dan Brown, “o fanfarrão”, no subsolo do Monastério do Pastelonius –, a famosa Oração dos Filhos Bastardos de Santo Isidoro de Sevilha remanesce desde antanho, para elevação e gáudio de todos espíritos ilustrados pelo espírito da cana.
                Excelso Santo Isidoro,
olhai para teus filhos bastardos e não permiti que chatos sejam os historiadores.
Zelai para que aqueles atingidos por tal praga sejam enforcados nas tripas dos burocratas da Alemanha Oriental e do Pentágono e precipitados no topo da rocha Tarpéia que está no fundo do abismo que se situa acima do subsolo dos Departamentos de História de todo o globo terráqueo.
Fornecei, sem limites, o sacro espírito da cana, para fazer perceber aos historiadores que quem estuda gente tem de gostar de gente, sob pena de serem os chatos meros escrevinhadores de relatórios destinados ao inferno tecnocrático dos números esquecidos.
Dai luz aos incautos para que percebam que a soma do quadrado da chatice é diretamente proporcional ao cubo da burrice.
Fazei com que teus devotos levantem sempre o próximo brinde, a cada ano que se segue, nessa bimilenar trajetória que habita os píncaros da glória do pedestal de Isidoro, cravado firmemente no solo fértil das idéias inúteis e risíveis.
Deixai com que todos os teus bastardinhos possam rir às bandeiras despregadas sempre que a imbecilidade e a arrogância ameacem vencer as eleições para síndico do teu Monastério. Canae spiritu spiritum collustrat!!!.


* Para Fhillipus Gustavus, que não é Frater da Bimilenar Confraria, mas nasceu nesse dia, sob os auspícios de Santo Isidoro de Sevilha e para o Frater Marcellus Barretus Ferreirus, “o colérico”, Isidoriano de velhas datas das plagas Mogianas, que assopra velinhas nos idos do glorioso mês Isidoriano.