terça-feira, 1 de julho de 2014

Dois Atos, algumas cenas e breves conclusões

ATO 1 (desprezada a sequência cronológica dos Atos) – Brasil 2014

Cena 1 – Estádio Mineirão (Sábado, 28/06/2014 – 13:00): Torcida brasileira, composta em sua absoluta maioria de representantes de nossas valorosas classes altas e médias, vaia vergonhosamente o Hino Nacional chileno, desprezando o dever de anfitrião de respeitar o símbolo nacional do visitante. Não se trata de vaia ao adversário de jogo durante a partida, mas de desrespeito a um símbolo caro aos nossos hóspedes. Locutor da TV de maior audiência fala constrangido em “festa”, perdendo a oportunidade “pedagógica” de dar um repto à “maleducação” de nossos endinheirados despossuídos de civilidade. Estimulada por tal conduta amistosa, a torcida chilena responde com vaias à execução do Hino brasileiro. Agregue-se ao desvalor de tudo isso, dias antes, a bela demonstração de finesse da torcida da seleção brasileira no Estádio Itaquerão  – igualmente endinheirada e deseducada –, traduzindo o que pensam aqueles que compreendem e respeitam apenas a linguagem do dinheiro.     

Cena 2 – proximidades do Restaurante Recanto do Picuí, Bairro de Intermares, Cabedelo – PB (mesmo dia – 16:30): Esfomeados pela longa e tensa partida do selecionado canarinho (lembrando que no meio da tensão o craque célebre não esqueceu oportunamente de fazer sua propaganda de cueca), eu e Sandra nos dirigimos ao Restaurante, cruzando, no caminho, com carro ligado, luz de ré acionada, homem adulto à frente e criança no banco traseiro, com “galega de farmácia” correndo em direção ao veículo. Ante cena inusitada, dois minutos depois descobrimos com garçom do estabelecimento que a tal “família” havia fechado a conta, solicitado uma cerveja adicional, com acréscimo em nova conta, aproveitando a oportunidade para se evadir do estabelecimento sem pagar a conta. Esperteza bem típica daqueles com compreendem e respeitam apenas a linguagem do dinheiro.

Cena 3 – dias antes, Estádios da Arena Pernambuco (Recife) e das Dunas (Natal): após seus jogos na Copa, a torcida japonesa demonstrou toda a sua polidez, limpando os restos de seu consumo ao longo de suas partidas. Sem maiores comentários. Precisa?

Cena 4 – Uruguai (25/06/2014): Comentando a dentada de Luis Suárez no jogador italiano Chiellini, sem fazer concessões às patriotadas de ocasião, o herói uruguaio Alcides Ghiggia, proferiu a seguinte afirmação: “Creio que uma punição poderia ser (aplicada) porque é absurdo, não é a primeira vez que isso acontece. Não sei o que esse rapaz pensa, o que ele tem na cabeça... Seja uruguaio ou de outra nacionalidade, sempre é preciso reprovar essas coisas em campo de jogo, isto não é uma guerra”.  

ATO 2 – Brasil, 1950    

Cena Única – Maracanã (16/07/1950): Alcides Ghiggia marca o segundo gol do selecionado uruguaio na final da Copa de 1950. Silêncio no Estádio e torcida volta amargurada para casa. As imagens preservadas sugerem uma grande tristeza, mas não se presenciam cenas de pancadaria e quebra-quebra.

Juntando esses Atos e cenas, de grande ou pequena escala, podemos tecer algumas breves conclusões:

1) Vaiar o time adversário durante o transcorrer da partida não é o mesmo que desrespeitar o Hino alheio, símbolo da nacionalidade de nossos visitantes. Como anfitriões, nos cabe o dever da cortesia, tal como tratamos um hóspede em nossa casa.
2) Patriotismo não é vale-tudo e aceitação de agressões desmedidas. A torcida de 1950 respeitou a vitória uruguaia e Ghiggia, passados 64 anos, manteve a coerência de não confundir uma prática esportiva com a apologia da grosseria e da agressão. Temos muito a aprender com a torcida de nossos pais e avós e outros tantos craques de bola e educação do passado.
3) É pífio o argumento da suposta “cultura” da vaia para definir a conduta da torcida brasileira. O que se fala sobre 1950 é de um silêncio impressionante no Maracanã, mas não uma vaia ensurdecedora. Outrossim, mesmo que existisse uma suposta “vaia cultural”, a educação e a polidez permitem que alteremos condutas culturais e adquiramos novos hábitos e valores. Que tal copiar esse bom hábito nipônico, sem entrar naquela de que eles são superiores e o povo brasileiro não presta? O problema é educacional, não cultural, racial ou qualquer outra dessas baboseiras.
4) Sobre isso, vale salientar que a torcida brasileira presente aos estádios não é composta do “Zé povinho”, mas dos bem-nascidos da terra, que se imaginam acima do vulgo e se pensam gente da melhor procedência. Indispensável frisar que hoje têm sido feitas todas as apologias à grosseria, desrespeito, oportunismo, que estão fazendo que relevemos maus hábitos como vaiar o Hino do visitante, aplicar golpes em bares e restaurantes, fazer barulho e descartar enormes quantidades de lixo em bairros de classes médias em grandes cidades brasileiras. Não é esse tipo de “valores” que estamos a “festejar”?
5) Aproveitando a ocasião, os meios de comunicação de massa, as mídias sociais e outros agentes de comunicação (e por que não, de educação ou deseducação?), poderiam fazer campanhas para que em Fortaleza a nossa torcida faça jus à dignidade de nossos pais e avós em 1950, respeite o adversário colombiano na hora de seu Hino, aproveitando para limpar o Castelão após a festa esportiva.
6) Está na hora de superar a mentalidade senhorial-escravocrata e seu cortejo de abjeções de comportamento, expressas na absorção continuada do que há de pior nas nossas elites (esnobismo, oportunismo, arrivismo) por aqueles que conseguem ascender economicamente. Tal ascensão deve se dar, também, no plano educacional.
7) Outrossim, a distinta senhora e seu nobilíssimo consorte bem poderiam pagar a conta em ocasiões futuras e não dar o exemplo da canalhice militante frente ao seu filho, exposto a pais tão insalubres, que mereciam uma séria advertência do Conselho Tutelar ou da autoridade policial, para aprender a ter vergonha na cara.           

Um comentário:

  1. É chato admitir mas as pessoas não estão nem um pouco preocupadas em mudar essa situação. A educação é motivo de espanto para muita gente, por exemplo, quando você pede desculpa por esbarrar em alguém, logo te olham como se você fosse louco. Ou seja, para algumas pessoas, ser educado é sinônimo de anormalidade, quando deveria ser algo rotineiro, pois é respeitando os outros que podemos conviver bem. Sendo assim o que deveria assustar não é a educação, mas sim a falta dela.

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