ATO 1 (desprezada
a sequência cronológica dos Atos) – Brasil 2014
Cena 1 – Estádio Mineirão
(Sábado, 28/06/2014 – 13:00): Torcida brasileira, composta em sua absoluta
maioria de representantes de nossas valorosas classes altas e médias, vaia
vergonhosamente o Hino Nacional chileno, desprezando o dever de anfitrião de
respeitar o símbolo nacional do visitante. Não se trata de vaia ao adversário
de jogo durante a partida, mas de desrespeito a um símbolo caro aos nossos
hóspedes. Locutor da TV de maior audiência fala constrangido em “festa”, perdendo
a oportunidade “pedagógica” de dar um repto à “maleducação” de nossos
endinheirados despossuídos de civilidade. Estimulada por tal conduta amistosa,
a torcida chilena responde com vaias à execução do Hino brasileiro. Agregue-se
ao desvalor de tudo isso, dias antes, a bela demonstração de finesse da torcida
da seleção brasileira no Estádio Itaquerão – igualmente endinheirada e deseducada –,
traduzindo o que pensam aqueles que compreendem e respeitam apenas a linguagem
do dinheiro.
Cena 2 –
proximidades do Restaurante Recanto do Picuí, Bairro de Intermares, Cabedelo –
PB (mesmo dia – 16:30): Esfomeados pela longa e tensa partida do selecionado
canarinho (lembrando que no meio da tensão o craque célebre não esqueceu
oportunamente de fazer sua propaganda de cueca), eu e Sandra nos dirigimos ao
Restaurante, cruzando, no caminho, com carro ligado, luz de ré acionada, homem adulto
à frente e criança no banco traseiro, com “galega de farmácia” correndo em
direção ao veículo. Ante cena inusitada, dois minutos depois descobrimos com
garçom do estabelecimento que a tal “família” havia fechado a conta, solicitado
uma cerveja adicional, com acréscimo em nova conta, aproveitando a oportunidade
para se evadir do estabelecimento sem pagar a conta. Esperteza bem típica
daqueles com compreendem e respeitam apenas a linguagem do dinheiro.
Cena 3 – dias antes,
Estádios da Arena Pernambuco (Recife) e das Dunas (Natal): após seus jogos na
Copa, a torcida japonesa demonstrou toda a sua polidez, limpando os restos de
seu consumo ao longo de suas partidas. Sem maiores comentários. Precisa?
Cena 4 – Uruguai (25/06/2014):
Comentando a dentada de Luis Suárez no jogador italiano Chiellini, sem fazer
concessões às patriotadas de ocasião, o herói uruguaio Alcides Ghiggia,
proferiu a seguinte afirmação: “Creio que uma punição poderia ser (aplicada) porque é
absurdo, não é a primeira vez que isso acontece. Não sei o que esse rapaz
pensa, o que ele tem na cabeça... Seja uruguaio ou de outra nacionalidade,
sempre é preciso reprovar essas coisas em campo de jogo, isto não é uma guerra”.
ATO 2 – Brasil,
1950
Cena Única –
Maracanã (16/07/1950): Alcides Ghiggia marca o segundo gol do selecionado
uruguaio na final da Copa de 1950. Silêncio no Estádio e torcida volta
amargurada para casa. As imagens preservadas sugerem uma grande tristeza, mas
não se presenciam cenas de pancadaria e quebra-quebra.
Juntando esses Atos e cenas, de grande ou pequena escala, podemos
tecer algumas breves conclusões:
1) Vaiar
o time adversário durante o transcorrer da partida não é o mesmo que
desrespeitar o Hino alheio, símbolo da nacionalidade de nossos visitantes. Como
anfitriões, nos cabe o dever da cortesia, tal como tratamos um hóspede em nossa
casa.
2) Patriotismo
não é vale-tudo e aceitação de agressões desmedidas. A torcida de 1950
respeitou a vitória uruguaia e Ghiggia, passados 64 anos, manteve a coerência
de não confundir uma prática esportiva com a apologia da grosseria e da
agressão. Temos muito a aprender com a torcida de nossos pais e avós e outros
tantos craques de bola e educação do passado.
3) É
pífio o argumento da suposta “cultura” da vaia para definir a conduta da
torcida brasileira. O que se fala sobre 1950 é de um silêncio impressionante no
Maracanã, mas não uma vaia ensurdecedora. Outrossim, mesmo que existisse uma suposta
“vaia cultural”, a educação e a polidez permitem que alteremos condutas
culturais e adquiramos novos hábitos e valores. Que tal copiar esse bom hábito
nipônico, sem entrar naquela de que eles são superiores e o povo brasileiro não
presta? O problema é educacional, não cultural, racial ou qualquer outra dessas
baboseiras.
4) Sobre
isso, vale salientar que a torcida brasileira presente aos estádios não é
composta do “Zé povinho”, mas dos bem-nascidos da terra, que se imaginam acima
do vulgo e se pensam gente da melhor procedência. Indispensável frisar que hoje
têm sido feitas todas as apologias à grosseria, desrespeito, oportunismo, que
estão fazendo que relevemos maus hábitos como vaiar o Hino do visitante,
aplicar golpes em bares e restaurantes, fazer barulho e descartar enormes quantidades
de lixo em bairros de classes médias em grandes cidades brasileiras. Não é esse
tipo de “valores” que estamos a “festejar”?
5) Aproveitando
a ocasião, os meios de comunicação de massa, as mídias sociais e outros agentes
de comunicação (e por que não, de educação ou deseducação?), poderiam fazer
campanhas para que em Fortaleza a nossa torcida faça jus à dignidade de nossos
pais e avós em 1950, respeite o adversário colombiano na hora de seu Hino,
aproveitando para limpar o Castelão após a festa esportiva.
6) Está
na hora de superar a mentalidade senhorial-escravocrata e seu cortejo de
abjeções de comportamento, expressas na absorção continuada do que há de pior
nas nossas elites (esnobismo, oportunismo, arrivismo) por aqueles que conseguem
ascender economicamente. Tal ascensão deve se dar, também, no plano
educacional.
7) Outrossim,
a distinta senhora e seu nobilíssimo consorte bem poderiam pagar a conta em ocasiões
futuras e não dar o exemplo da canalhice militante frente ao seu filho, exposto
a pais tão insalubres, que mereciam uma séria advertência do Conselho Tutelar ou
da autoridade policial, para aprender a ter vergonha na cara.
É chato admitir mas as pessoas não estão nem um pouco preocupadas em mudar essa situação. A educação é motivo de espanto para muita gente, por exemplo, quando você pede desculpa por esbarrar em alguém, logo te olham como se você fosse louco. Ou seja, para algumas pessoas, ser educado é sinônimo de anormalidade, quando deveria ser algo rotineiro, pois é respeitando os outros que podemos conviver bem. Sendo assim o que deveria assustar não é a educação, mas sim a falta dela.
ResponderExcluir