segunda-feira, 26 de maio de 2014

ENTREVISTA: Onophra Kasperhöuser, Pós-Doutora Jubilada em Cânones pela Universidade de Tübingen e Magister Honorabilis da Universidade de Blefusco, a Velha.

Onophra Kasperhöuser nos brindou
com brilhante entrevista sob os gorjeios
das gralhas do Helesponto.
Num ribombante feito editorial, nossa equipe foi recebida pela brilhante intelectual em sua dacha, numa fagueira tarde primaveril, regados pelo sinuoso paladar do chá de azeviche da Armênia e finos biscoitos de fécula de trigo selvagem da Pomerânia e anêmonas do Mar de Azov, quando os rouxinóis do Reno doiravam em notas de puro trinado argênteo o crepúsculo que se avizinhava. Em meio a esse cenário outonal e com o pano de fundo de sua valiosa Biblioteca pessoal, a Pós-Doutora Jubilada discorreu com suas reconhecidas modéstia e coloquialidade, mesmo mantendo a tensão da mais pura polêmica intelectual, acerca de sua mais recente obra, que formaliza e sintetiza décadas de investigação da célebre Escola Neológica de Sebastopol, como ela mesma frisa em sua fala. Onophra Kasperhöuser dispensa apresentações, vamos ao deleite de sua valiosa entrevista. 
  
Diatomáceas: Bom dia, Pós-Doutora Onophra. Nossos leitores gostariam de saber quais são as formulações básicas de seu mais recente trabalho Interpolações epistemológicas do neoblochismo através de um approach neo-pós-descontrutivista em modulações quântico-relativistas na diagnose do fenomenalismo historicista[i]

OKHPDJCUTMHUBV: Saudações aos leitores. Realmente, minha mais recente investigação parte da averiguação de uma diagonalidade inferida por Spiegel[ii] em uma sugestiva passagem de seus preâmbulos interconexos, na qual ele intui que as inflexões da Lei de Barrabás[iii] aplicadas às diagnoses possíveis – digo e friso, possíveis –, exigem uma abordagem senoidal para tornar-se possível observar os approachs oferecidos pelos modelos intercausais. Frisei o termo possíveis, para me afastar das conclusões indevidas de H. Von Schnauser[iv], que considero insuficientes para uma investigação adequadamente exponencial e pertinente ao objectus bolidus que é referencial mono e pluricausal da fatuidade ontológica do devir. Dito isto, pude constatar que uma análise modulada das propriedades vibracionais da dialética neo-pós-descontrutivista, que tangenciem as conclusões mais que axiomáticas da Escola Neológica de Sebastopol[v], permite agenciar o conjunto dos fatores que desvendem a gnosis do fenomenalismo historicista. Isso abre, num exemplo bastante concreto, perspectivas promissoras para entender os espectros de fronteira entre a analítica politológica de Milk e a politologia prolegomenal de Coffe[vi]. Digamos, sem qualquer laivo de vanidade, que essas modulações quântico-relativistas estabelecem as bases definitivas para o entendimento dos campos de força entrevistos pelo sintagma neoblochiano - veja-se todo o variegado e riquíssimo corpus de Apolônia Bloch. Não há mais nada de novo a ser dito nessa área, por sinal, podemos até falar numa constatação bastante coloquial que as teorias neo-fragmentadoras de Künz e da Linea Maginotus estão definitivamente subsumidas ao conectivismo de Cantacuzeno[vii] e sua opus maximus da Escola Neológica de Sebastopol. Tenho a honra e a modéstia de ter sintetizado em linhas precisas um longo esforço de reflexão que perfaz décadas de percucientes análises pioneiramente inauguradas por Cantacuzeno já nos albores da Era Paregórica.

Diatomáceas: Mas, considerando as siderações especulativas de Herênius Cardozo[viii], não poderíamos alimentar a perspectiva...?   

OKHPDJCUTMHUBV (interrompendo): Gostaria de obtemperar veementemente que essa formulação advém da busca de uma solução para a derivativa de Celsus, que permitiria, supostamente, digo, supostamente, estabelecer uma constante sociológica para o ruído de fundo psicohistórico. Definitivamente, por mais tentadora que possa ter sido essa pueril tentativa, temos, hoje, condições bastante sedimentadas para crer que os esforços de sua reconstrução confluem de uma dogmática estabelecida pela leitura ortodoxa de Funks, que criou um Deus Ex Machina lingüístico e estatístico. Vê-se, por essa consideração, que as interfaces propugnadas por nossos intelectuais maginotianos[ix] – pessoas de inegáveis talentos, mas desprovidas de fundamentos mais sedimentados nas bases epistemológicas da ciência de Albertus Robertus[x] – são de ordem estritamente metafísicas, desprovidas de qualquer sustentabilidade empírica. Posso dizer que são interessantes jogos mentais, mas carecem de qualquer aplicabilidade na ordem prática, conforme mencionei na resposta anterior, a partir dos casos-exemplo então aduzidos.  

Diatomáceas: Efetivamente, esse problema já foi abordado em outras obras de sua lavra, mas permanece, digamos, um “ruído de fundo” em relação ao paradoxo de Quaker[xi], que estabelece os limites prosódicos do ente universalis na interação com as grandezas algébricas do empiricismo historicista. Como podemos, então, derivar essa enfiteuse rumo ao fenomenalismo historicista sem incorrer na célebre aporia de Hermengardus[xii]?        

OKHPDJCUTMHUBV: Essa questão equivale a andar no fio da navalha lógico. Efetivamente, a aporia de Hermengardus coloca um desconexo ainda não linkado no plano estritamente ideológico, mas quando ingressamos nas sendas do fenomenalismo historicista, é possível perceber que tal controvérsia se desvanece e podemos afirmar peremptoriamente que, tanto a aporia quanto o paradoxo, se transformam em meros jogos intelectuais, sem fundamentos nos prolegômenos de Sebastopol.   

Diatomáceas: Entretanto, se considerarmos as observações marginais de Springer[xiii], podemos constatar que...   

OKHPDJCUTMHUBV: Deixe-me interrompê-lo e ressalvar que impugno tal questionamento, por não reconhecer em Springer e sua “Escola (!!??)” qualquer credencial séria para enfrentar mesmo aspectos menores das diagonalidades de Spiegel. Simplesmente, o debate não flui por aí, não está na ordem das coisas.

Diatomáceas: Mas..

OKHPDJCUTMHUBV:  Decididamente, nessa seara não há sustentação qualquer para qualquer inferência séria e com o mínimo do rigor necessário. Só para não deixar os leitores menos avisados sem alguma referência, veja como são inadequadas tais “formulações”: o que dizem eles sobre as circunvoluções institucionais? Nada. E sobre as interfaces do debate entre minimalistas e maximalistas? Abaixo da crítica. Que acrescentam ao esforço de rankeamento cinetoscópico da cosmofera científica? Absolutamente questões irrelevantes que não mereceram publicações ou citações em qualquer periódico com o mínimo de pontuação no sistema mars polar calota. Veja que a Doutora H. Von Schnauser, digo e friso, Doutora, tentou dar alguma guarida a essa linhagem desalinhada, mas, mesmo ela, com suas limitações, percebeu que seria inadequado prosseguir em vereda tão infrutífera do petit debat.   

Diatomáceas: Compreendemos e seguimos por outra seara, solicitando suas considerações acerca dos palpitantes eventos recentes acerca do informe reservado 357, que estabelece normas técnicas extremamente restritivas para a livre circulação de informações no âmbito do cosmo-science e das plataformas integristas.  

OKHPDJCUTMHUBV: Quanto a isso, creio que há um verdadeiro oceano de equívocos. Um samba do caucasiano doido. Vejam, já em nossa primeira Magnus Opus, sobre as interações sociopsíquicas na politilogia do Chade[xiv], interpelamos a comunidade científica e historiográfica a respeito da inadequação de se observar a restrição fontes de quaisquer natureza. Qualquer representação significaria uma restrição totalitária do nous, que jugulava a possibilidade da veritas. Nossa opção pioneira por incinerar os documentos existentes no Arquivo Público daquele país, para liberar o sentido da imaginação e invenção, significou um trabalho realizado com bastante afinco, a fim de estabelecer as bases efetivamente silogísiticas da veritas. Se à época houve certa surpresa ou até oposição nos meios acadêmicos – que Cantacuzeno e eu própria reduzimos a pó e cinzas –, hoje é lugar-comum reconhecer que a mediação das fontes significa apenas uma ilusão pseudo-intelectual na produção fenomenalística da escrituração, sendo o imago da veritas a imaginação pós-descronológica[xv]. O resto, podemos dizer com certa fleuma, é pleonasmo, puro pleonasmo.      

Diatomáceas: Nos despedimos da Pós-Doutora Jubilada honrados e embevecidos com oportunidade tão rara de ouvir tal homilia sapiencial e ansiosos por ouvir suas despedidas Urbis et Orbis.

OKHPDJCUTMHUBV: Saravá. Amém. Evoé. Ultra Man. Rosquinhas de Coco. Banzai.  




[i] Bayeux: Somme/Ardennes, 2017.
[ii] Refere-se ao celebérrimo Klaus Helmut Spiegel, verdadeiro monstro sagrado e monumento dos píncaros da glória do pensamento pós-contemporâneo.
[iii] Legis Barrabás ou princípio de legitimação cossecante dos efeitos de ilusão pós-contemporânea na dialógica enfitêutica do logos plenum.
[iv] Hildebranda Von Schnauser, emérita culturóloga econometrista da Escola Derivativa de Katmandu. Não confundir com Ildefonsa Von Schnauser, papisa da Escola Posneoliguística Parúsica de Piripiri.   
[v] Escola Neológica de Sebastopol, liderada por Cantacuzeno e Kasperhöuser, que define a inexistencialidade da potenciação da poiesis do ontos no imago da veritas. Referência indispensável nos novos estudos pós-contemporâneos.
[vi] A analítica politológica de Milk e a politologia prolegomenal de Coffe ancoram o debate pós-contemporâneo em sua vertente neopós-contemporânea, que se opõe à vertente arqueopós-contemporânea, de Flink e Von Silva. 
[vii] Cantacuzenus. Mestre da Pós-Doutora Onophra, que o considera o fundador de toda a dialogia da Escola Neológica de Sebastopol. 
[viii] Vide sua obra Siderações Especulativas no estudo compreensivo e expressionista do Legalismo Neopóscientológico de Potter.
[ix] Refere-se a Pós-Doutora Kasperhöuser aos adeptos da Linea Maginotus, grupo de pensadores descartesianos, liderados no início da Era Paregórica pelo Doutor Herênius Cardozo, paradigmático e genearcologista da Universidade Transcendental da Basileia-Dortmund. O termo intelectuais maginotianos é mencionado em forma de blague e não sem ironia, devido à denegação que os pensadores de Maginotus fazem ao termo intelectual e sua adoção da terminologia pensador para a definição de sua atividade cognoscente. 
[x] Pensador clássico pré-Paregórico, sob cujas Considerações Tempestivas e Tempestuosas acerca da gnosis pré-Paregórica, se estruturaram as divergências centrais do lidiismo nominalista que se segue há décadas.  
[xi] Paradoxo de Quaker: Protocontradição teorética relacionada à obra de Severinus Quaker, que estabeleceu um acirrado debate nas últimas décadas do século anterior, opondo cientologistas californianos aos Philosofes da Escola neoessencialista de Oricuri. A controvérsia gerou obras de relevo no pensamento contemporâneo, embora datadas pelo contexto da famosa “crise dos parâmetros”.  
[xii] Aporia de Hermengardus: Principal formulação decorrente da crise dos parâmetros ou “querela dos quantuns sociocêntricos”, que chancelou o ingresso das teorias neoregencianas no quadro do horizonte psicohistórico. Feuderhann, numa abordagem não despida de ironia, a designou como “o beco sem saída de todo o pensamento ocidental”.
[xiii] Springer Socic Admiral. Líder do Grupo Herênius Cardozo, vinculado à Universidade Filarmônica de Lemúria e propositor do célebre Simpósio de Culturama upper Guaçu. 
[xiv] Refere-se a Pós-Doutora a uma de suas clássicas Magnus Opus: Translações obliteradas nas interações sociopsíquicas na politilogia do Chade: aspectos teoréticos e metodológicos de uma investigação a partir do imago da veritas (Luxemburgo/Vaduz: Universitat Comblusiana, 1965).   
[xv] Como diz em letras pétreas a Pós-Doutora Onophra Kasperhöuser em seu polêmico e instigante artigo A Fonte real: a construção do imago da veritas a partir da negação da fonte material: dialógica da incineração dos arquivos de múltiplas dimensionalidades e suporte: a experiência no Chade (ImagoClio, ANO LVII, Nº 333, 1966), “o registro documental em qualquer suporte é uma violentação da essência do ontos, por isso, o ontos só é atingível em sua essência pela imaginação do logos sobre si”.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O Pão Metafórico do Cartismo


Na estranha "alquimia" da "padaria cartista", o pão das massas foi transmutado na massa do pão.





Aconteceu em 1988, nas aulas de História Contemporânea, ministradas pela Professora Inês Caminha.
Inês, professora bastante exigente, havia passado uma boa dose de leituras, sendo que uma delas, que não consegui localizar entre minhas pastas do passado mesmo após buscas insanas e ajuda de Pablo (erro imperdoável para um historiador desde o tempo dos metódicos), continha algo sobre movimentos sociais na Inglaterra ao longo da Revolução Industrial.
Detalhes à parte (detalhes documentais importantes), recorrerei à traiçoeira memória para não deixar escapar a história...
O fato é que um dos textos (ainda hei de localizá-lo) continha uma citação que dizia algo em sentido figurado sobre o Cartismo, mais ou menos nos seguintes termos: “cartismo é uma questão de faca e o garfo, de pão e o queijo...”, enfim, como descobri na internet, o orador Joseph Rayner Stephens assim definia o movimento em 1838 e devo ter lido em termos aproximados na “apostila” de História Contemporânea.
O problema não é que o Cartismo tenha me empolgado especialmente à época (o que não significa qualquer antipatia ao movimento, muito pelo contrário), apenas destaco que se verificou, digamos, algo como uma microhistória em relação ao tema, dessas meio corriqueiras em salas de aula, que até hoje reboa nos circuitos da minha memória.
Algumas figuras da sala de aula, não muito amigas de leituras – na verdade, francamente hostis à leitura (algo muito peculiar e visto às vezes com uma “naturalidade” inquietante em Escolas e Universidades brasileiras) –, comentavam e roíam os neurônios, sem conseguir entender, afinal, por que o Cartismo era um pão? O que diabos tinha a ver o combativo movimento social inglês com o alimento nosso de cada dia?
Aulas se passavam e o ruído do pão Cartista ecoava em rumores meio espantados meio raivosos na sala; a tensão aumentava, mas as figuras não tomavam a iniciativa necessária, qual seja, por que simplesmente não perguntavam à professora o que significava aquele pão de gosto tão estranho? Basicamente, se reclamava contra o pão cartista e contra a professora, mas o problema seguia e se agravava.
Às vésperas da prova, uma das figuras, emissária das demais que ficaram de rabo de ouvido à espreita, se acercou de minha pessoa e perguntou de chofre:
– Por que o Cartismo é um pão?
Refeito do susto de tão objetiva e certeira pergunta, tentei obtemperar alguma coisa, não sem antes ouvir severas perorações contra a professora que havia “passado apostila tão difícil”, “o que essa apostila tinha a haver com os alunos da rede” e coisas do gênero. Mas, tentei diplomaticamente continuar:
– Bom, fulana... isso não significa que o Cartismo seja um pão de padaria, desses que a gente come. O autor está usando uma linguagem figurada com a citação do discurso, ele se refere aos direitos do povo de reivindicar, de ter uma boa vida etc etc etc...
Até aí tudo bem, mas cometi um erro imperdoável, que redundou no naufrágio do conjunto da obra: 
– Pois então, o Cartismo não é um pão de padaria, é um tipo de pão metafórico... e continuei alguma bobagem adicional.
Ao falar em “pão metafórico”, percebi que as figuras se entreolharam e de imediato escreveram às pressas em seus cadernos. Ali estava um “bizu”, uma “cola”,uma “fila”, uma dica infalível... as provas haveriam de prosperar. Com uma palavra bonita dessas...
Poucos dias se passaram, provas realizadas, e a Professora Inês comunicou as notas, com alguns comentários gerais sobre o desempenho da turma. Observou que havia algumas provas muito boas, mas, curiosamente, em oito delas estava escrita a impenetrável e insondável frase “o Cartismo é um pão metafórico”, cujo sentido ela ignorava completamente...
Oito pares de olhos repletos de ódio simultaneamente gélido e ígneo me encaravam por ter dado a dica errada... Dava pra sentir a frialdade do ambiente e o desejo das criaturas que o chão se abrisse sob meus pés e eu fosse queimar nas profundezas do inferno, comendo o pão que o diabo cartista amassou... eu haveria de pagar amargamente por isso...  
Sei lá o que aconteceu no futuro com as figuras, sei lá se elas se lembram do episódio, a não ser, talvez, para comentar minha atitude que julgaram sacana por ter passado a fila errada às vésperas da prova. Não sei se até hoje elas conseguiram digerir o pão metafórico do Cartismo, mas creio que paguei caro esse involuntário pecado de suposta falta de solidariedade anos depois, já como professor na Faculdade de Bragança Paulista, quando sugeri uma monografia como avaliação para uns alunos de História do Brasil Império e uma figura cutucou no braço da outra com o seguinte comentário:
Manografia é porque é a mão. Se fosse a máquina era datilografia...

Cai o pano...