Para ler Braudel e a longa duração – Contar o número de
mudanças de marcha no caminho de casa para a Universidade. Depois sofisticar o
processo e distinguir o número de avanços e reduções do câmbio. Discernir as
diferentes durações do trajeto.
Para interpretar certas revoluções – Pesquisar atentamente
as diferentes versões de obras históricas que refundam a ciência e relegam todo
o acervo anterior ao limbo. Depois conferir como determinadas velharias costumam
a reaparecer com novas e vistosas roupagens.
Para botar a cauda para balançar o cão – Reproduzir o já
feito tantas vezes quanto possível e simular novidades onde está apenas o
mesmo. Perder um tempo infindo preenchendo formulários de variadas cores e
formatos. Chamar isso de progressão.
Para botar a cauda para balançar o cão II – Gastar inúmeras
horas preenchendo formulários de projetos. Gastar mais horas intermináveis
preenchendo formulários de avaliação. Passar apenas poucas horas realizando
efetivamente o trabalho. Chamar isso de progressividade.
Para ajudar a crescer a nação – Ganhar pontos através dos
diferentes métodos de fazer a cauda balançar o cão. Consignar tudo isso num dos
mil e um sistemas avaliativos estabelecidos pelos mil e um órgãos avaliativos.
Divulgar urbi et orbi que “ninguém segura esse país”.
Para preservar a memória gloriosa – Colocar nas ruas, praças
e escolas os nomes do Prefeito, da mãe do Prefeito, da avô do Prefeito, da
prima do Prefeito, do cunhado do Prefeito, de um ex-ditador, de outro ex-ditador,
do benemérito que deu um golpe de Estado.
Para preservar e memória gloriosa na Capitania – Dar a um
Gymnasium o nome de um potentado que não entende de gymnástica, dar o mesmo
nome a ruas e ágoras capitania afora. Fazer o mamulengo de plantão nomear nova
obra com o nome do potentado.
Para preservar a memória gloriosa na sub-colônia – Nomear a
estrada que ingressa no torrão pelas fronteiras do grande sul em homenagem a um
governante de terras distantes. Achar isso o máximo da sapiência e denominar
como modernidade.
Para fazer valer minha alteridade – Ingressar no Clube da
Minha Patota. Negar qualquer possibilidade de intercâmbio ou convívio com as
patotas rivais. Exaltar empolgado o respeito às diferenças, mas não aceitar os
diferentes sob qualquer condição.
Para construir a autonomia intelectual – Prescrever a lista das
leituras permitidas para os pupilos. Estabelecer o index librorum prohibitorum onde estão os livros dos desafetos
superados. Fazer repetir os ditados prescritos e chamar tudo isso de
ciência.
Para garantir a livre comunicação – Usar sistematicamente os
deforetes em toda e qualquer circunstância. Solicitar aos duplipensantes e à
polícia do pensamento autorização para o uso correto da 18ª edição do
Dicionário de Novilíngua. Apodar isso como liberdade.
Para estreitar os laços de amizade – Nomear-se diferente de
tudo e todos. Defender intransigentemente o apartheid entre todas as diferenças
e todos os diferentes. Viver sozinho e cuidar do próprio umbigo. Conclamar que
isso se chama fraternidade.
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