sábado, 3 de agosto de 2013

EXERCÍCIOS INÚTEIS PARA HORAS FÚTEIS



Para ler Braudel e a longa duração – Contar o número de mudanças de marcha no caminho de casa para a Universidade. Depois sofisticar o processo e distinguir o número de avanços e reduções do câmbio. Discernir as diferentes durações do trajeto.


Para interpretar certas revoluções – Pesquisar atentamente as diferentes versões de obras históricas que refundam a ciência e relegam todo o acervo anterior ao limbo. Depois conferir como determinadas velharias costumam a reaparecer com novas e vistosas roupagens.

Para botar a cauda para balançar o cão – Reproduzir o já feito tantas vezes quanto possível e simular novidades onde está apenas o mesmo. Perder um tempo infindo preenchendo formulários de variadas cores e formatos. Chamar isso de progressão.

Para botar a cauda para balançar o cão II – Gastar inúmeras horas preenchendo formulários de projetos. Gastar mais horas intermináveis preenchendo formulários de avaliação. Passar apenas poucas horas realizando efetivamente o trabalho. Chamar isso de progressividade.

Para ajudar a crescer a nação – Ganhar pontos através dos diferentes métodos de fazer a cauda balançar o cão. Consignar tudo isso num dos mil e um sistemas avaliativos estabelecidos pelos mil e um órgãos avaliativos. Divulgar urbi et orbi que “ninguém segura esse país”.

Para preservar a memória gloriosa – Colocar nas ruas, praças e escolas os nomes do Prefeito, da mãe do Prefeito, da avô do Prefeito, da prima do Prefeito, do cunhado do Prefeito, de um ex-ditador, de outro ex-ditador, do benemérito que deu um golpe de Estado.    

Para preservar e memória gloriosa na Capitania – Dar a um Gymnasium o nome de um potentado que não entende de gymnástica, dar o mesmo nome a ruas e ágoras capitania afora. Fazer o mamulengo de plantão nomear nova obra com o nome do potentado.

Para preservar a memória gloriosa na sub-colônia – Nomear a estrada que ingressa no torrão pelas fronteiras do grande sul em homenagem a um governante de terras distantes. Achar isso o máximo da sapiência e denominar como modernidade.     

Para fazer valer minha alteridade – Ingressar no Clube da Minha Patota. Negar qualquer possibilidade de intercâmbio ou convívio com as patotas rivais. Exaltar empolgado o respeito às diferenças, mas não aceitar os diferentes sob qualquer condição.

Para construir a autonomia intelectual – Prescrever a lista das leituras permitidas para os pupilos. Estabelecer o index librorum prohibitorum onde estão os livros dos desafetos superados. Fazer repetir os ditados prescritos e chamar tudo isso de ciência.   
   
Para garantir a livre comunicação – Usar sistematicamente os deforetes em toda e qualquer circunstância. Solicitar aos duplipensantes e à polícia do pensamento autorização para o uso correto da 18ª edição do Dicionário de Novilíngua. Apodar isso como liberdade.


Para estreitar os laços de amizade – Nomear-se diferente de tudo e todos. Defender intransigentemente o apartheid entre todas as diferenças e todos os diferentes. Viver sozinho e cuidar do próprio umbigo. Conclamar que isso se chama fraternidade.

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