Antes de mais nada,
uma Nota de Esclarecimento da Redação.
Prezados
e escassos leitores. Esse Blog foi imaginado como espaço destinado a ideias
ociosas para horas preguiçosas. Bom, as horas preguiçosas foram postergadas
para sabe-lá-deus-quando, apesar do direito à preguiça continuar vicejando
entre a mais alta elite da nação... Quanto às ideias ociosas, creio que nos faltou
o devido humor para elas. Sua condição era a graciosidade, mas o fel amargo e o
labor combativo haviam tomado o lugar da tinta da escrita, motivado pelo
festival de horrores da burrice militante que nos assombra nos últimos anos (o sapiente Stanislaw Ponte Preta poderia dizer que estamos vivenciando um verdadeiro FICOAPÁ - Festival da Inguinorância Coxinhesca que Assola o País). Não havia lugar para as Diatomáceas, ou melhor, não há. Mas, pelo menos, algum
sorriso nos resta como arma de defesa, porque todo o mal-humor (não confundir
com tristeza) é sintoma de incurável estultice. Nessa data em que relembramos um fato aziago para os anais de nossa história, voltamos depois de mais de
quinhentos dias. Esperamos encontrar algum ânimo para diminuir substantivamente
essa periodicidade.
Vamos lá ...
Era época do tal Plebiscito da Monarquia e o grupo de quatro
expedicionários – Mirza Pellicciotta,
Edson Joaquim, Antônio Lorette e esse que rabisca essas linhas –, embarcou em
Campinas, lá pelo início da manhã, no fusqueta 76 pertencente à primeira
expedicionária e dirigido por vosso cronista. Missão: uma pletora de atividades
na cidade, que implicava numa pesquisa na Biblioteca Mário de Andrade, a
procura de uma tal Rua Anhaia, uma aula de Mestrado na FAU-USP, que tomaria
todo aquele movimentado dia. O que não se esperava é o que não estava
esperado...
O famoso edifício em forma de 'S', cenário de uma das muitas confusões de um desses longos dias. |
Ao
chegarem à região central da urbs piratiningana, depois de um perde-encontra
complicado, encontraram uma providencial vaga de estacionamento ao lado do
famoso Edifício Copan (para quem não é de São Paulo, aquele famoso prédio em
forma de “S”), bem atrás de um carro com placa de Esperança-PB, terra da
progenitora de vosso humilde redator. Um sorridente comentário sobre a
coincidência, alguns passos em direção à Biblioteca e tudo parecia com aqueles
cálculos de física escolar, em CNTP (condições normais de temperatura e
pressão).
Após a
combinação de alguns detalhes, tive de deixar o restante dos expedicionários na
Biblioteca e sair para os lados da Avenida São João, perguntar onde ficava a
tal Rua Anhaia, para procurar um equipamento eletrônico oportunamente
solicitado pelo meu irmão. Anda praqui, anda pralá, cheguei a uma Pastelaria ou
coisa do gênero no Largo do Paissandu, àquela altura fervilhando de gente. Indagação
dirigida ao gerente do estabelecimento, atrás de seu indefectível balcão de
inox, ele retransmite a pergunta a um freqüentador do estabelecimento:
– Rua
Anhaia, bom, não sei. Tu sabes Pedro?
– Rua
Anhaia???...
O filósofo-jurado e seus famosos lírios. |
Como se
se abrissem as portas da esperança, vira-se o próprio, o inenarrável filósofo Pedro De Lara, que desatou um caudal de explicações detalhadas sobre a tal rua e as
opções para nela chegar. Confesso que perdi completamente a noção da geografia
urbana, divertido com a magnitude de tal informante. Ele existia... não era
apenas um ícone dominical... seus lírios brancos!!!... estava ali, ao vivo,
comendo pasteis no Largo do Paissandu... tudo o mais tinha perdido o interesse.
Magnum Opus - contém preciosidades como 'É burro demais, quem dá topada e cai pra trás." ou ainda "A PRIVATIZAÇÃO será a nossa ESCRAVATURA." |
Delongas
depois, ao saber que a tal Rua não ficava perto o suficiente para ir a pé,
ouvidas as sábias ponderações de De Lara, resolvi pegar o fusqueta lá no Copan,
para ir atrás do tal componente eletrônico. Poucos minutos após, à frente da
Mário de Andrade, encontro Mirza lavada em prantos. Havia ido pegar alguma
coisa no carro e descobriu que o mesmo havia sido miseravelmente roubado.. oh
vida... Bom, calma, vamos lá.
Chegando
ao local, estava incólume o brioso veículo, atrás do carro esperancense, tal e
qual havia sido deixado mais cedo!!! Como?
Bom,
como já dito ao atilado leitor, o Copan tem forma de “S” e sua proprietária
tinha procurado na “perna” oposta da sinuosa letrinha... Novo choro, de
descarrego, e crise de asma, resolvida providencialmente numa farmácia das
cercanias.
Após
tantas emoções, a expedição à Rua Anhaia foi abortada para as calendas gregas e
o finalzinho da manhã, boquinha da tarde, foram tomados pela conclusão das
atividades na Biblioteca. Agora, com a tarde (e a fome) avançando, depois de um
engarrafamento básico e mais um vai-e-volta pelas ruas, chegamos à Aclimação,
no simpático Fellini, de Miltinho, para filar um almoço lá pelas três e meia,
quatro da tarde. Excelente comida, alguma conversa com Dona Giselda, uma
olhadela nos quadros e fotografias da casa/restaurante, lá fomos para a Rua
Maranhão, onde Lorette teria aulas no Mestrado em Arquitetura, enquanto os três
outros membros da expedição dariam trela às suas horas ociosas.
– Que
tal conhecermos o Mackenzie?
– É, lá
foi o reduto do Comando de Caça aos Comunistas em 68, no quebra-pau com o
pessoal da Maria Antônia, vamos ver se a direita ainda anda aprontando alguma
coisa por ali.
Nas
dependências do Mackenzie, horário de entrada do noturno, centenas de jovens
preocupados com seus horários de aula e pouco preocupados com comunismo, CCC e
coisas desse teor. Talvez a prova de um professor carrasco preocupasse mais
aquelas mentes estudantis.
Feitas
algumas andanças e sem aventuras à vista, tive um flash.
– Aqui
perto fica a sede da TFP, vamos pra lá? Depois, lá por perto tem uma tal
padaria judaica, com uns pães doces de primeira.
– Ôba,
vamos ver, é um casarão impressionante, com aquele estandarte pendurado...
A portentosa sede da TFP, à época um dos bastiões da campanha monarquista. Cerrou fileiras com o historiador José Murilo de Carvalho e muita gente sabida. |
Havia
lido há pouco tempo antes “Os guerreiros da virgem”, obra de um ex-membro da
TFP e que tecia fortes críticas àquela entidade. Não me contive e disse a meia
voz:
– Olha
lá, Dominus Plínius e os donzelos Bragança!!!
Mirza,
curiosa, perguntou:
– Qual
deles é o Plínio?
Edson
Joaquim, assumindo o protagonismo da cena, apontou com o dedo indicativo:
– É
aquele.
Sabe-se
lá de onde, um leão-de-chácara de paletó branco, brutamontes mal encarado, com
o fervor de um guerreiro da virgem, veio enxotar aqueles viandantes enxeridos.
– Catso!!!
(o original foi em português), vamos apanhar feito mala velha. Vamos tocar
daqui.
Correr?
Bom, se os três metessem sebo nas canelas, um acabaria nas mãos do cofre de
banco ambulante e tomaria na tampa. Muita calma nesse momento!!!
– Vamos
andar rápido e juntos, sem correr, se ele nos pegar, pelo menos com três dá pra
dividir a surra... Se fica um pra trás, ele amassa...
– E se
a gente entrar na FAU?
–
Aquele negócio ta vazio nesse horário, ele acaba nos pegando e ainda dá uma
surra no Lorette de vale-brinde...
Risos
nervosos e suor gelado... murmúrios de angústia desconsolada... uma pisa, que
merda... Tempo imponderável, só o espaço existia... Um quarteirão... Dois
quarteirões... Andando rápido e em ordem unida – sem correr, sem correr – e o
brucutu atrás, putzgrila...
– Vamos
pro Mackenzie, nesse horário ta cheio de gente e vamos nos esconder por lá.
Portas
do Mackenzie, acolhedor porto seguro para nossa paúra... O antigo antro dos
anticomunistas era o refúgio dos foragidos da perseguição têfêpêana vinte e
poucos anos depois... oh paradoxos do universo!!!
Naquela noite, o Mackenzie se tornou nosso acolhedor porto seguro. |
Ficamos
por lá uns 20 minutos. De longe e à socapa, víamos o guarda-roupas da
cristandade andando na calçada de um lado para o outro, como um autômato
ameaçador.
Fomos
nos aproximando lentamente da FAU, espertos para ver se a jamanta não havia
montado uma arapuca. O plano era resgatar o fusca, Lorette, e batermos perna
dali (apesar da situação ser mais para o Salvador Dali).
No
fusca, respirando aliviados e narrando a incrível travessia para Lorette, ainda
conseguimos passar na tal padaria, nos refestelando com seus famosos pães
doces.
Sei-la-que-horas
da noite chegávamos incólumes a Campinas, depois de um dia desses pra não
esquecer. A vida seguiu, mais ou menos aventurosa, há dias de paz, há dias de
guerra, há dias de sol, há dias de chuva, mas, vamos lá, Pedro de Lara e TFP
num dia só não é coisa pra só um dia.
* Para
os corajosos expedicionários que arrostaram os perigos dessa arriscosa jornada e para o
fiel fusquêta que nos transportou em segurança pelas furiosas procelas
paulistanas.
É ótimo ver o blog com novos textos, ansioso pelos próximos!
ResponderExcluirOlá Raniery (sem ser Mazilli). Valeu.
ExcluirO negócio, agora, é ter paciência, porque nesse mundo véio, a piada já vem pronta (e, normalmente, é de mau gosto).
Abração
Parabéns professor! Muito boa sua crônica aventurista pela ruas da pauliceia desvarada.
ResponderExcluirOlá Leoneide,
ExcluirQue legal que você gostou. Tem uns trecos que acontecem vida afora que parecem ficção. Quando Pedro De Lara virou para dar a informação foi uma maluquice sem tamanho rsrsrs. Quem viu a peça no juri de Sílvio Santos, jamais poderia pensar que ele era mais do que um factóide televisivo rsrsrs.
Abraços.
Nossa, lembrei direitinho do Pedro como jurado no Silvio Santos, ele metia medo no povo. rsrsrs
ExcluirEle, junto com Aracy de Almeida, "tocavam terror" nos coitados dos calouros. Araca "buzinava" o carinha e dizia: "dá 300 mangos pra esse matusquela nunca mais cantar vida!!!". Mansinha né? (rsrsrs)
ExcluirNossa, que bom ver você retomando o blog. Juro que senti vontade de ter vivido esse dia tão cheio de aventuras. Acho que meus passeios por SP estão muito normais, preciso de uma saga como essa para poder contar daqui uns anos. rs Parabéns pelo texto, Ângelo! Adorei.
ResponderExcluirAbraço.
Vânia.
Oi Vânia, tudo bem?
ExcluirPois é, Pedro De Lara e TFP numa tacada só!!!
Parece que eu tenho um treco para atrair esse tipo de situação.
Por esses dias, lembrei dos fiscais de abate paquistaneses que viajaram no ônibus comigo, de New Andradine a Campinas (narrei isso numa Diatomácea dessas). Será que eles entraram no rolo da carne? Acho que com eles o pessoal não facilitou em serviço porque senão iria virar presunto rsrs.
Abraços.
Arrume mais tempo livre rs. Narrativa excelente :)
ResponderExcluirOlá Diego, tudo bem?
ExcluirPois é cara, o lance é menos a questão do tempo e mais a questão do humor. Quando eu começo a escrever e a bile a ferver (motivada pelas imbecilidades nossas de cada dia), perco a graça. Já deixei um monte de coisas pela metade, mas, numa hora dessas, espero rabiscar mais alguma diatomácea.
Abração.
Nesse tempo Esperança já exportava carros, gente e problemas para o mundo. Belíssima crônica. Abraços
ResponderExcluirGrande Giuseppe,
ExcluirPois é, as altissonantes glórias esperancenses ribombaram nos campos de Piratininga e nas plácidas margens do Ipiranga, na hora em que o arrebol pintava de rubros veios o céu da Pauliceia e o americano plenilúnio se anunciava ante o berço esplêndido do gigante.
Evoé...
Excelente texto, Professor! Esse fusqueta deve ter muitas histórias para contar, assim como o senhor!rsrs Esperando o próximo texto!
ResponderExcluirGrande Fágner,
ResponderExcluirPois é, o fusqueta andou bastante pelas estradas paulistas e possibilitou muitas aventuras. Quando der na telha, vou postar mais alguma coisa a respeito.
Abração.
Hahahahaha! Que aventura massa, resenha pura. Minha mãe é fã de Pedro de Lara, professor Ângelo. Chamei ela aqui e li para a mesma, a parte em que o senhor encontra com o mito televisivo, disse que sentiu inveja do senhor hahaha. Bela crônica, dá uma excelente história de gibi, diga-se de passagem. Grande abraço, professor ! Ansioso pelo próximo texto.
ResponderExcluirVocê toparia desenhá-la? Acho que dá pedal rsrsrsrs.
ResponderExcluirAbração.