sexta-feira, 4 de abril de 2014

A Bimilenar Quermesse Etílico-Historiográfica

O Padroeiro dos Historiadores registrou a
chatice universal em seu Syllabus condenatório.
                Falha-me a memória e não sei dizer se foi o Honorável Dan ou Edson Joaquim que me telefonou num determinado dia lá pelas calendas de 1993 ou 94, dizendo que havia comprado um Dicionário de Santos e que descobrira a gloriosa existência de um Padroeiro dos Historiadores, Santo Isidoro de Sevilha, com sua data comemorativa em 04 de Abril.
                Esse sinal se tornou um verdadeiro vaticínio. Telefonemas foram trocados em profusão e um desses planos sórdidos, urdido por mentes desocupadas e desequilibradas, começou a ser posto em prática: por que não promovermos uma Quermesse para nosso excelso Padroeiro? Afinal, seus grandes e insopitáveis méritos – os quais ignorávamos completamente – exigiam uma festança à altura das mais legítimas tradições do e de ofício.
                Na inexistência da internet (que também veio a ser mais tarde protegida pelo mesmo venerando Padroeiro sevilhano, o que deveria gerar o pagamento de royalties aos historiadores, os quais modestamente me candidato ao difícil mister de receber), procuramos em Enciclopédias os escassos dados sobre nosso Santo. Um descobriu que o mesmo era grande erudito e importante Doutor da Igreja, autor das célebres Etimologias, que reuniam vasto conhecimento disponível em seu tempo, entre os séculos VI e VII, além de suas Histórias dos Reis Visigodos. Outro descobriu, ou imaginou após virar canecas de cerveja, que havia grandes festividades em Sevilha e cercanias.
                Essa “descoberta” foi a senha para decidirmos realizar com fervor uma portentosa Quermesse, uma pândega com direito a farto consumo de bebidas espirituosas. Logo, a turma resolveu sofisticar bastante as coisas, porque uma sacanagem bem feita exige rigoroso planejamento e organização.
                No plano material, o Honorável Dan e Edson Joaquim se puseram a levantar fundos para as viandas e bebidas da festa. Foram às feiras dos burgos circunvizinhos e compraram, em generosa promoção, muitos e muitos barris de vinho missal e uns sacos do delicioso salgadinho que matou Iscariotes.
                No plano espiritual, eu e Chico “descobrimos” que a mais antiga Ordem Regular do mundo cristão – ou seja, a nossa – nascera há mais de 2.000 anos, ou seja, antes mesmo de Cristo. São Bento era moderninho frente à anciania e tradição Isidoriana. Não poderíamos aceitar como digno de consideração nada inferior ao bimilênio.
De posse de tais dados realizamos tumultuada Eclésia, ocasião na qual se discutiu uma série de pontos doutrinários sobre se a Ordem seria exclusivamente de Frades ou se haveria Freiras, se seria mista, se haveria Irmãos Leigos et coetera. Enfim, após uma pletora de argumentos e latinórios deblaterados enérgica e etilicamente, num rompante pachorramente meditado, os gerontes decidiram que havia sido criada a Bimilenar XXIV Pia Irmandade dos Filhos Bastardos de Santo Isidoro de Sevilha, com todos os selos, carimbos e estampilhas de direito, para inveja de todo o Orbe e gáudio da cristandade.
                Jamais se resolveu exatamente o problema da Sigla, uma vez que se digladiaram por dois milênios duas tradições inconciliáveis, duas vertentes dogmáticas da mesma Ordem, compostas pelos mesmos Irmãos: de um lado ficariam os adeptos da I.S.I.S. (Irmandade de Santo Isidoro de Sevilha), de outro, a O.S.I.R.I.S. (Ordem de Santo Isidoro Reverendíssimo Irmão de Sevilha). Isianos e Osirianos sectariamente não se bicam há mais de vinte séculos, apesar de serem as mesmas pessoas.
                Para a escolha do Conselho Curial, os Irmãos elegeram por aclamação, unanimidade e revelia o Frater Dom Reverendo Abade Paulo Valadares, judeu impenitente e pertinaz, historiador e genealogista de nomeada e autor de romances de faroeste nas horas vagas. O cargo principal, de Irmão guardião dispenseiro, aquele que controlava o fornecimento de bebidas espirituosas, que guardava as chaves da adega monacal, coube ao Frater Venerável Piassa “o caveira cheia”, homem de ilustradas qualidades intelectuais, lustradas pelo óleo escorrido e destilado da seiva da cana arábica, solicitada a todos os estalajadeiros existentes acima do chão e abaixo do céu (segundo a inspiração do lendário Jessé de Xerém, eremita da noitada dos tempos). Aos Frater Neuderius, Geraldus, Edsonius, Ivanius e demais, couberam Dignidades, Consulados, Diaconias, Comendas, Prebendas e Mercês diversas na intrincada Cúria da Bimilenar Ordem, sem qualquer reserva contrária ao recurso ao paroquialismo, ao nepotismo e todas essas benesses esquecidas por esse decaído mundo moderno que sucedeu o glorioso século IX da Idade do luminoso Alto Medievo.
                O Brasão da Bimilenar – com dois exemplares descobertos em piedosas escavações realizadas nas ruínas abandonadas do Templo de “arcadas gregas e horrores arquitetônicos” da urbe campinana e no encanamento do Chafariz da Poderosa –, ostentava as folhas de cana e portava o singelo dístico Canae Spiritu spiritum collustrat, que na língua de Luís de Camões teria o arcano significado “o espírito da cana ilumina o nosso espírito”. 
                Coube ao Venerável e Condestável Chico, inspirado pelos barris e copázios fornecidos pelo Frater Piassa, a escrita apócrifo-oficial da Bimilenar História da Ordem, já escrita nos albores do primeiro milênio pelo Venerável Ungulano de Tuhiuty, irmão que cruzara em milhares de toesas celtas os Campos Catalúnicos depois do passamento de Átila, o compassivo. Coube-me na qualidade de Frater Orator, preparar o discurso panegírico solene que seria pronunciado por ocasião da nossa vibrante Quermesse, em benefício das baratas sobreviventes da Terceira Guerra Mundial, na Data magna de 04 de Abril, que se aproximava celeremente.

Cartaz da Bimilenária Ordine Frater Isidorianus.
                  Ajudados pelo Noviço Mauricius Barcalonensis, preparamos as vestes talares para a cerimônia, a acontecer na Noite de Santo Isidoro, no Salão Nobre do DCE da PUCCAMP. Tais vestes, nas simbólicas cores branca e preta, traziam a imagem do Padroeiro, a referência à célebre contenda de Buñuel (Batismo: a) aspersão, b) imersão ou c) pulverização?), imagens de cânticos Isidorianos, garrafas do espírito da cana e, por fim, uma peroração em latim com profundo e enigmático significado litúrgico.
                Feitos os esmerados preparativos, com direito à severa reprimenda de um Padre Secular da PUCCAMP, desgostoso com o zelo dos Isidorianos, a patuscada, com numerosa presença de fiéis, se alongou pela noite, com direito ao pronunciamento de uma Irmã Leiga Nipo-Pôrra Louca gritando em sânscrito, cenas de blasfêmia sob autorização do Freire Micaelus Bakhtinius, empolados discursos e homilias, que fizeram correr de pânico pela Regente Feijó, os devotos da IURD que saíam àquelas horas tardas de seu culto. Pandemônio total, terminado no Monastério do Pastelonius já na avançada madrugada-que-namora-a-aurora, quando os Irmãos davam eloqüentes testemunhos eivados de plena devoção.
                Os Venerandos Guardiões Maiores Esmoleres da sublime adega, sob os auspícios do Venerável Piassa “o caveira cheia”, Honorável Dan e Frater Isaac Edson (em sua versão hebréia-isidoriana), conseguiram que o finíssimo vinho missal (verdadeira ambrosia olímpica) e o salgadinho Iscariotes dessem um lucro de espantosas proporções, que deixaria os Médici e os Rothschild humilhados per saecula saeculorum. As generosas receitas oriundas de tal portento geraram uma farta churrascada dias após, quando os Isidorianos narraram as tradições da Ordem para os ouvidos espantados dos noviços, embasbacados com o peso e circunferência abdominal das vetustas tradições que se perdiam no fundo do oco-do-mundo.
                Reza uma piedosa lenda que, dessa singela cerimônia – registrada em vestígio oral cujo fragmento se acha cerrado num cofre secreto, depositado por Dan Brown, “o fanfarrão”, no subsolo do Monastério do Pastelonius –, a famosa Oração dos Filhos Bastardos de Santo Isidoro de Sevilha remanesce desde antanho, para elevação e gáudio de todos espíritos ilustrados pelo espírito da cana.
                Excelso Santo Isidoro,
olhai para teus filhos bastardos e não permiti que chatos sejam os historiadores.
Zelai para que aqueles atingidos por tal praga sejam enforcados nas tripas dos burocratas da Alemanha Oriental e do Pentágono e precipitados no topo da rocha Tarpéia que está no fundo do abismo que se situa acima do subsolo dos Departamentos de História de todo o globo terráqueo.
Fornecei, sem limites, o sacro espírito da cana, para fazer perceber aos historiadores que quem estuda gente tem de gostar de gente, sob pena de serem os chatos meros escrevinhadores de relatórios destinados ao inferno tecnocrático dos números esquecidos.
Dai luz aos incautos para que percebam que a soma do quadrado da chatice é diretamente proporcional ao cubo da burrice.
Fazei com que teus devotos levantem sempre o próximo brinde, a cada ano que se segue, nessa bimilenar trajetória que habita os píncaros da glória do pedestal de Isidoro, cravado firmemente no solo fértil das idéias inúteis e risíveis.
Deixai com que todos os teus bastardinhos possam rir às bandeiras despregadas sempre que a imbecilidade e a arrogância ameacem vencer as eleições para síndico do teu Monastério. Canae spiritu spiritum collustrat!!!.


* Para Fhillipus Gustavus, que não é Frater da Bimilenar Confraria, mas nasceu nesse dia, sob os auspícios de Santo Isidoro de Sevilha e para o Frater Marcellus Barretus Ferreirus, “o colérico”, Isidoriano de velhas datas das plagas Mogianas, que assopra velinhas nos idos do glorioso mês Isidoriano.                  

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