O Padroeiro dos Historiadores registrou a chatice universal em seu Syllabus condenatório. |
Falha-me a memória e não sei dizer se foi o Honorável Dan ou Edson
Joaquim que me telefonou num determinado dia lá pelas calendas de 1993 ou 94,
dizendo que havia comprado um Dicionário de Santos e que descobrira a gloriosa
existência de um Padroeiro dos Historiadores, Santo Isidoro de Sevilha,
com sua data comemorativa em 04 de Abril.
Esse
sinal se tornou um verdadeiro vaticínio. Telefonemas foram trocados em profusão e um desses
planos sórdidos, urdido por mentes desocupadas e desequilibradas, começou a ser posto em
prática: por que não promovermos uma Quermesse para nosso excelso Padroeiro?
Afinal, seus grandes e insopitáveis méritos – os quais ignorávamos completamente – exigiam uma
festança à altura das mais legítimas tradições do e de ofício.
Na
inexistência da internet (que também veio a ser mais tarde protegida pelo mesmo
venerando Padroeiro sevilhano, o que deveria gerar o pagamento de royalties aos
historiadores, os quais modestamente me candidato ao difícil mister de receber), procuramos em Enciclopédias os escassos dados sobre nosso
Santo. Um descobriu que o mesmo era grande erudito e importante Doutor da
Igreja, autor das célebres Etimologias, que reuniam vasto conhecimento disponível
em seu tempo, entre os séculos VI e VII, além de suas Histórias dos Reis
Visigodos. Outro descobriu, ou imaginou após virar canecas de cerveja, que
havia grandes festividades em Sevilha e cercanias.
Essa
“descoberta” foi a senha para decidirmos realizar com fervor uma portentosa
Quermesse, uma pândega com direito a farto consumo de bebidas espirituosas.
Logo, a turma resolveu sofisticar bastante as coisas, porque uma sacanagem bem
feita exige rigoroso planejamento e organização.
No
plano material, o Honorável Dan e Edson Joaquim se puseram a levantar fundos
para as viandas e bebidas da festa. Foram às feiras dos burgos circunvizinhos e
compraram, em generosa promoção, muitos e muitos barris de vinho missal e uns
sacos do delicioso salgadinho que matou Iscariotes.
No
plano espiritual, eu e Chico “descobrimos” que a mais antiga Ordem Regular do
mundo cristão – ou seja, a nossa – nascera há mais de 2.000 anos, ou seja,
antes mesmo de Cristo. São Bento era moderninho frente à anciania e tradição
Isidoriana. Não poderíamos aceitar como digno de consideração nada inferior ao
bimilênio.
De posse de tais dados
realizamos tumultuada Eclésia, ocasião na qual se discutiu uma série de pontos
doutrinários sobre se a Ordem seria exclusivamente de Frades ou se haveria
Freiras, se seria mista, se haveria Irmãos Leigos et coetera. Enfim, após uma pletora de argumentos e latinórios deblaterados
enérgica e etilicamente, num rompante pachorramente meditado, os gerontes
decidiram que havia sido criada a Bimilenar
XXIV Pia Irmandade dos Filhos Bastardos de Santo Isidoro de Sevilha, com
todos os selos, carimbos e estampilhas de direito, para inveja de todo o Orbe e
gáudio da cristandade.
Jamais
se resolveu exatamente o problema da Sigla, uma vez que se digladiaram por dois
milênios duas tradições inconciliáveis, duas vertentes dogmáticas da mesma Ordem,
compostas pelos mesmos Irmãos: de um lado ficariam os adeptos da I.S.I.S. (Irmandade
de Santo Isidoro de Sevilha), de outro, a O.S.I.R.I.S. (Ordem de Santo Isidoro
Reverendíssimo Irmão de Sevilha). Isianos e Osirianos sectariamente não se bicam
há mais de vinte séculos, apesar de serem as mesmas pessoas.
Para
a escolha do Conselho Curial, os Irmãos elegeram por aclamação, unanimidade e revelia
o Frater Dom Reverendo Abade Paulo Valadares, judeu impenitente e pertinaz,
historiador e genealogista de nomeada e autor de romances de faroeste nas horas
vagas. O cargo principal, de Irmão guardião dispenseiro, aquele que controlava
o fornecimento de bebidas espirituosas, que guardava as chaves da adega
monacal, coube ao Frater Venerável Piassa “o caveira cheia”, homem de
ilustradas qualidades intelectuais, lustradas pelo óleo escorrido e destilado
da seiva da cana arábica, solicitada a todos os estalajadeiros existentes acima
do chão e abaixo do céu (segundo a inspiração do lendário Jessé de Xerém,
eremita da noitada dos tempos). Aos Frater Neuderius, Geraldus, Edsonius,
Ivanius e demais, couberam Dignidades, Consulados, Diaconias, Comendas,
Prebendas e Mercês diversas na intrincada Cúria da Bimilenar Ordem, sem
qualquer reserva contrária ao recurso ao paroquialismo, ao nepotismo e todas
essas benesses esquecidas por esse decaído mundo moderno que sucedeu o glorioso
século IX da Idade do luminoso Alto Medievo.
O
Brasão da Bimilenar – com dois exemplares descobertos em piedosas escavações realizadas
nas ruínas abandonadas do Templo de “arcadas gregas e horrores arquitetônicos” da
urbe campinana e no encanamento do Chafariz da Poderosa –, ostentava as folhas
de cana e portava o singelo dístico Canae
Spiritu spiritum collustrat, que na língua de Luís de Camões teria o arcano
significado “o espírito da cana ilumina o nosso espírito”.
Coube
ao Venerável e Condestável Chico, inspirado pelos barris e copázios fornecidos
pelo Frater Piassa, a escrita apócrifo-oficial da Bimilenar História da Ordem,
já escrita nos albores do primeiro milênio pelo Venerável Ungulano de Tuhiuty,
irmão que cruzara em milhares de toesas celtas os Campos Catalúnicos depois do
passamento de Átila, o compassivo. Coube-me na qualidade de Frater Orator,
preparar o discurso panegírico solene que seria pronunciado por ocasião da nossa vibrante
Quermesse, em benefício das baratas sobreviventes da Terceira Guerra Mundial, na
Data magna de 04 de Abril, que se aproximava celeremente.
Cartaz da Bimilenária Ordine Frater Isidorianus. |
Ajudados
pelo Noviço Mauricius Barcalonensis, preparamos as vestes talares para a cerimônia,
a acontecer na Noite de Santo Isidoro, no Salão Nobre do DCE da PUCCAMP. Tais vestes,
nas simbólicas cores branca e preta, traziam a imagem do Padroeiro, a
referência à célebre contenda de Buñuel (Batismo: a) aspersão, b) imersão ou c)
pulverização?), imagens de cânticos Isidorianos, garrafas do espírito da cana
e, por fim, uma peroração em latim com profundo e enigmático significado
litúrgico.
Feitos
os esmerados preparativos, com direito à severa reprimenda de um Padre Secular
da PUCCAMP, desgostoso com o zelo dos Isidorianos, a patuscada, com numerosa
presença de fiéis, se alongou pela noite, com direito ao pronunciamento de uma
Irmã Leiga Nipo-Pôrra Louca gritando em sânscrito, cenas de blasfêmia sob
autorização do Freire Micaelus Bakhtinius, empolados discursos e homilias, que
fizeram correr de pânico pela Regente Feijó, os devotos da IURD que saíam
àquelas horas tardas de seu culto. Pandemônio total, terminado no Monastério do
Pastelonius já na avançada madrugada-que-namora-a-aurora, quando os Irmãos davam eloqüentes
testemunhos eivados de plena devoção.
Os
Venerandos Guardiões Maiores Esmoleres da sublime adega, sob os auspícios do
Venerável Piassa “o caveira cheia”, Honorável Dan e Frater Isaac Edson (em sua
versão hebréia-isidoriana), conseguiram que o finíssimo vinho missal (verdadeira
ambrosia olímpica) e o salgadinho Iscariotes dessem um lucro de espantosas
proporções, que deixaria os Médici e os Rothschild humilhados per saecula saeculorum. As generosas
receitas oriundas de tal portento geraram uma farta churrascada dias após,
quando os Isidorianos narraram as tradições da Ordem para os ouvidos espantados
dos noviços, embasbacados com o peso e circunferência abdominal das vetustas
tradições que se perdiam no fundo do oco-do-mundo.
Reza
uma piedosa lenda que, dessa singela cerimônia – registrada em vestígio oral
cujo fragmento se acha cerrado num cofre secreto, depositado por Dan Brown, “o
fanfarrão”, no subsolo do Monastério do Pastelonius –, a famosa Oração dos Filhos
Bastardos de Santo Isidoro de Sevilha remanesce desde antanho, para elevação e gáudio
de todos espíritos ilustrados pelo espírito da cana.
Excelso
Santo Isidoro,
olhai para teus filhos bastardos e não permiti que chatos sejam os
historiadores.
Zelai para que aqueles atingidos por tal praga sejam enforcados nas
tripas dos burocratas da Alemanha Oriental e do Pentágono e precipitados no
topo da rocha Tarpéia que está no fundo do abismo que se situa acima do subsolo
dos Departamentos de História de todo o globo terráqueo.
Fornecei, sem limites, o sacro espírito da cana, para fazer
perceber aos historiadores que quem estuda gente tem de gostar de gente, sob
pena de serem os chatos meros escrevinhadores de relatórios destinados ao
inferno tecnocrático dos números esquecidos.
Dai luz aos incautos para que percebam que a soma do quadrado da
chatice é diretamente proporcional ao cubo da burrice.
Fazei com que teus devotos levantem sempre o próximo brinde, a cada
ano que se segue, nessa bimilenar trajetória que habita os píncaros da glória
do pedestal de Isidoro, cravado firmemente no solo fértil das idéias inúteis e
risíveis.
Deixai com que todos os teus bastardinhos possam rir às
bandeiras despregadas sempre que a imbecilidade e a arrogância ameacem vencer
as eleições para síndico do teu Monastério. Canae
spiritu spiritum collustrat!!!.
* Para Fhillipus Gustavus, que não é Frater da
Bimilenar Confraria, mas nasceu nesse dia, sob os auspícios de Santo Isidoro de
Sevilha e para o Frater Marcellus Barretus Ferreirus, “o colérico”, Isidoriano
de velhas datas das plagas Mogianas, que assopra velinhas nos idos do glorioso mês
Isidoriano.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAdorei professor, dessa vez o senhor se superou. Parabéns!!!
ResponderExcluirEstupendo!!!
ResponderExcluirSensacional rsrs, sobretudo a oração :-)
ResponderExcluirCom as bençãos de Madame Pires e Hildebranda von Schnauser rsrs.
ResponderExcluirAdorei 👏👏👏👏
ResponderExcluirMeu D como desgringolou a feligresía do"Santo". Puro retrato do cenário político mundial! Kkkkk
ResponderExcluirGenial Prof. Ângelo!👏🏼👏🏼👏🏼
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