sábado, 11 de agosto de 2012

Memórias do fim do mundo e teorias da conspiração


           “O melhor de todas as teorias conspiratórias é que elas sempre estão certas. Se elas se confirmarem, é porque estavam corretas mesmo. Se não acontecerem, é porque a conspiração foi tão bem feita, que foi possível esconder os resultados da tramóia. É como a relação entre alguns inquisidores e o diabo: quando o capeta era descoberto, é porque ele estava lá. Quando não se achava sinal ou indício do demo, é que ele havia se escondido tão bem, que isso provava a sua ação por trás dos fatos.” PSEUDO-BERIA, em um manuscrito perdido nos confins da Quirguízia, datado dos primeiros tempos da Era Paregórica.

                No dia 11 de agosto de 1999, o mundo acabou. Numa dessas previsões que associava as propriedades da ciência da numerologia, as observações da astrologia de Kunz e uma data aziaga do calendário dos maniqueus de Emaús, ficou constatado que o mundo realmente havia acabado naquela data, muito embora os devotos de Santo Ivo, padroeiro dos Advogados, tivessem conseguido uma liminar para o treco continuar funcionando.
                Naquele dia, dar uma aula de História Contemporânea numa Faculdade em Bragança Paulista era uma aventura singular, porque implicava debater o fato mais importante da História, que era o fim da própria. Logo no início, nos congratulamos pela circunstância de sermos a única geração que visualizaria o maior fato histórico desde sempre, para a inveja das gerações precedentes, que já descansavam na paz dos séculos, e as sucessivas, que jamais estariam ali para testemunhar o ocorrido. Entre os sinais que indicavam os finais dos tempos, estavam o triunfo de uma cacofonia universal transmitida pelas rádios FM, o topete de Itamar Franco e uma vitória do Perilima no Campeonato paraibano.
                A incredulidade e o espanto do alunado iluminado pelas chamas do fim do mundo só não foram superadas pela decisão liminar de um Juiz em Culturama (MS), que suspendeu os efeitos do apocalipse e, logo, ninguém notou que o que se seguiu foi apenas o decurso do prazo de um processo vencido. Até que a decisão adquira caráter terminativo, talvez o criador perca a paciência e liquide a presepada in limine para abreviar a suprema irritação e garantir a celeridade do devido processo, com a subseqüente redução dos custos judiciais, aplicação de taxas e pagamento de verbas rescisórias.
                Tudo, talvez, não passe de uma conspiração muito bem urdida e apenas alguns pequenos lampejos revelem ou permitam entrever os subterrâneos da tramitação do negócio. Os teóricos da conspiração podem jogar seus bozós cósmicos e apostar suas formulações sobre as motivações de certos acontecimentos aparentemente inexplicáveis.
                Treze anos depois do fim do mundo, um acontecimento aparentemente simples, vivido em tempos mais remotos e antediluvianos, traz à reminiscência uma conexão que prova mais uma teoria conspiratória em sua plenitude: corria o ano de 1984 e o Belo de João Pessoa fazia campanha razoável na Taça de Prata, levando a turma de Engenharia Mecânica do 84.1 a matar as aulas de Economia I, nas noites de quarta-feira, e dirigir-se ao Almeidão, para prestigiar o espetáculo do ludopédio.
                Partidas contra o Uberlândia e outras equipes do mesmo quilate, alimentavam os conhecimentos futebolísticos de quem pouco estava aí para as discussões sobre lei da oferta e procura, deflação e outras minudências do conhecimento dos filhos de Smith. Mas, uma partida contra o Itabuna, com suas garbosas camisas azul-celestes, deu a pista para explicar o que veio a acontecer muito tempo após.
                Nos primeiros momentos da partida, veio se sentar ao nosso lado um grupo de cinqüentões que discutia animadamente sobre os detalhes do jogo. Alguns vestiam a camisa do Tricolor do Contorno. Um deles envergava o padrão azul da terra do cacau e era alvo da gozação dos demais.
                Numa dada altura dos acontecimentos, ante às provocações dos botafoguenses, o itabunense garantiu que estava no Estádio apenas por um imperativo moral de apoiar seu time, ante à inevitabilidade da derrota que se avizinhava e que estava escrita nos arcanos do saber teosófico. Espanto de todos e a inevitável pergunta:
                – Como você pode ter tanta certeza disso?    
                – É porque o Itabuna deu entrevista na beira da piscina.
                – Como!!!??? Que diabo é isso homem!!!???
                – É, o Itabuna deu entrevista na beira da piscina...
                A essa altura, tudo o mais tinha perdido o sentido para os circunstantes, que olhavam atônitos o diálogo sobre o sentido das profundezas do cosmo e os segredos dos tempos. Havia uma revelação em curso.
                – Que diacho é isso de entrevista na beira de piscina???
                – É isso mesmo, todo time que dá entrevista em beira de piscina perde o jogo...
                – Como é isso homem?...
                Ato contínuo, o homem começou a narrar fatos estarrecedores sobre esse axioma, partindo de uma abordagem ciceroniana da História Magistra Vitae.
                – Pois é, em 1982 a seleção ia muito bem na Copa até dar uma entrevista na beira da piscina. Perdeu. Em 1977, o Flamengo tava com o campeonato na mão, mas deu uma entrevista na beira da piscina e Zico perdeu o pênalti. Enfim, todo time que dá entrevista em beira de piscina apanha no jogo e o Itabuna deu uma entrevista na beira da psicina, logo, vai perder.
                Acompanhamos o restante da partida em suspense completo, não mais para torcer pelo botinha, mas para saber se aquela lei de ferro da história teria sua validade universal comprovada. Na batata: Belo 3 X 1 Itabuna. Estava garantido. A lei funcionava e o mundo continuava girando em torno de seu próprio eixo.
             11 de agosto de 2012. Treze anos após o final do mundo. Na grama sagrada de Wembley todos alardeavam a próxima conquista do ouro olímpico, o único título faltante à nossa vitoriosa galeria. Nada poderia dar errado. Nas vésperas, muita especulação, muita análise, muito churrasco. Sábado pela manhã e sol em todo o país. Nada melhor que iniciar um final de semana com chopp gelado e um tira-gosto regional para comemorar a anunciada conquista.  
Aos trinta segundos do início, o efeito piscina mostrou mais uma vez sua condição de inexorabilidade. Não se deve fazer desaforo às Leis da História. O tempo cíclico dava suas caras depois do final dos tempos lineares. A lei que derrubara os canarinhos, o mengo e o Itabuna, voltava a ceifar as cabeças dos incréus. Após o final da partida, a nossa maior instituição e patrimônio, o mal-humor nacional, estava impávido como um colosso retumbante.
Sabe-se lá quando a tal liminar vai ser caçada e a tramóia descoberta, mas não adianta se queixar, o resultado transitará em julgado. Não existe apelação. O mundo já deu o que tinha de dar e as profecias estavam corretas, a bagaça deu errado. No mais, está 19 a 14 no vôlei feminino e parece que a coisa anda, há esperança. Zé Roberto pediu tempo e os fatos se passam em tempo “real”. Bobeira da americana, lá se vai o 20. O vizinho urra feliz. 21 e 22 já se foram. Sandra bate palmas entusiasmada e o vigésimo terceiro já é passado. As americanas chegaram aos quinze e dezesseis. Dezessete é perigo. Na rua o foguetório antes reservado para o futebol começa a espocar, enquanto o vigésimo quarto chega. É ouro!!! Catarse geral!!! Nós, os brazucas somos o máximo e nossa mãe gentil tem as matas verdes mais verdes e o céu azul mais azul!!!
Ainda bem que elas tiveram o juízo de não dar entrevista na beira da piscina. Tudo bem até que o mundo tenha acabado, mas vamos comemorar porque a liminar garante que o treco continue aos trancos e barrancos e o processo deve estar perdido num desses escaninhos ou desvãos da célere justiça nacional.         

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. E eu tão desinformada achando que o esporte brasileiro estava nessa situação por falta de investimento! Mas agora sei o que aconteceu: deve ter tido muito gente dando entrevista na beira da piscina. rsrsrsrsrs
    Precisamos divulgar esta teoria para garantir mais resultados positivos nos próximos jogos olímpicos.

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